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Melhor apontarem para a Síria

McCain iniciou o debate ao propor intervir na Síria. Foto: Derek Bridges/CC By 2.0

Washington, Estados Unidos, 12/3/2012 – A ideia do poderoso lobby israelense nos Estados Unidos era priorizar, na semana passada, como e quando atacar o Irã, mas de repente a Síria roubou a cena. A surpreendente mudança de atenção dos políticos norte-americanos, e de seus seguidores na mídia, foi disparado por um enérgico chamado feito no dia 6 pelo senador John McCain, do opositor Partido Republicano, para que Washington dê apoio decisivo aos rebeldes sírios que lutam contra o regime de Bashar Al Assad.

“A única forma realista de fazê-lo é com poder aéreo estrangeiro”, disse McCain, que rapidamente contou com apoio de outros dois senadores “falcões” (ala mais belicista de Washington), a republicana Lindsay Graham e o independente Joseph Lieberman. “Os Estados Unidos devem liderar um esforço internacional para proteger centros povoados que sejam estratégicos na Síria, especialmente no norte, com ataques aéreos contra as forças de Assad”, afirmou McCain, iniciando um novo e vigoroso debate que saiu do Capitólio, sede do Congresso, passou para o Pentágono, sede do Departamento da Defesa, e chegou à Casa Branca.

Embora o secretário da Defesa, Leon Panetta, tenha rejeitado a proposta de McCain, o governo de Barack Obama parecia interessado em fornecer algum tipo de equipamento “não letal” à oposição síria. O que mais chamou a atenção na proposta do senador foi o momento escolhido para apresentá-la. Nesse mesmo dia, cerca de 13 mil ativistas, inflamados pelos últimos discursos anti-iranianos do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e dos pré-candidatos presidenciais republicanos, se dirigiram em ônibus da reunião anual do Comitê de Assuntos Públicos Estados Unidos-Israel (Aipac) até a sede do Congresso.

O objetivo dessa mobilização era convencer os congressistas de que o programa de desenvolvimento nuclear do Irã é uma ameaça “existencial” para Israel, e, talvez, também para os Estados Unidos, e, portanto, é “inaceitável”. Cada delegado na conferência recebeu uma cartilha com os temas principais a serem tratados no encontro, incluindo um panfleto de quatro páginas com sombrias fotos do presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, do líder supremo desse país, Ali Khamenei, e de um míssil, sob o título: “Capacidade nuclear do Irã: Inaceitável”. No entanto, na cartilha não havia referência alguma à Síria. Na verdade, apenas em uma das sessões da conferência foi analisada a situação desse país do Oriente Médio.

É por isso que foi tão desconcertante a mudança abrupta de prioridade proposta por McCain, e apoiado por Graham e Lieberman, popularmente conhecidos como os “três amigos’, todos fortes defensores de Israel e grandes admiradores de Netanyahu. E foi ainda mais desconcertante se se considerar que McCain e Graham apenas uma semana antes haviam se reunido com o primeiro-ministro de Israel em Jerusalém, tendo em seguida deplorado publicamente a falta de interesse do governo Obama em alinhar sua política sobre o Irã com o governo israelense.

“Incrivelmente, foi um mau momento escolhido por McCain para pedir um bombardeio sobre a Síria”, disse Heather Hurlburt, diretora-executiva da Rede de Segurança Nacional, um centro de estudos sobre política externa próximo ao governo de Obama. “Não sei como será visto o fato de se pedir um bombardeio contra a Síria na mesma semana em que se pede para atacar o Irã”, acrescentou. Naturalmente, existe uma ligação entre os dois temas, e os neoconservadores trabalham cada vez mais intensamente para deixá-lo claro perante o público norte-americano.

Não se cansam de dizer que o regime de Assad tem sido o mais próximo e, às vezes, o único aliado de Teerã no mundo árabe, e, portanto, derrubá-lo representaria um sério revés, não apenas para a influência regional do Irã, como também para outro dos principais inimigos de Israel, o movimento islâmico Hezbolá (Partido de Deus). “A queda do regime de Assad cortaria a corda de salvamento do Hezbolá com o Irã, eliminaria uma histórica ameaça para Israel, fortaleceria a soberania e a independência do Líbano e infligiria uma derrota estratégica ao regime de Teerã”, afirmou McCain. “Seria um êxito geopolítico de enorme”, destacou.

Os neoconservadores dizem que uma intervenção dos Estados Unidos na Síria seria “muito diferente” da realizada na Líbia no ano passado, que também contou com forte apoio dos “três amigos”. Uma ação militar contra Assad teria os mesmos fundamentos morais e humanitários com os quais Washington, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) e seus aliados justificaram a operação contra o líder líbio Muammar Gadafi, só que neste caso também serviria aos “interesses estratégicos e geopolíticos” dos Estados Unidos, ressaltou McCain.

O argumento do senador republicano é muito semelhante ao apresentado em um artigo de opinião publicado no jornal The New York Times por Efrain Halevy, ex-diretor do serviço secreto israelense, o Mossad, e uma das figuras mais significativas a questionar a ideia de um ataque ao Irã. Intitulado O calcanhar de Aquiles do Irã, o artigo afirma que a queda de Assad também “jogaria por terra o prestígio interno e internacional” do Irã, possivelmente provocando a “suspensão de suas políticas nucleares”. “Esta seria uma opção mais segura e mais satisfatória” do que atacar diretamente solo iraniano, acrescentou Halevy.

No entanto, ao contrário de McCain, tampouco recomendou uma intervenção direta na Síria, mas sugeriu persuadir a Rússia – principal fornecedor de armas e protetora diplomática de Damasco – a retirar seu apoio, uma estratégia para a qual Obama estaria apelando. Enquanto isso, o governo israelense permanece em relativo silêncio sobre a Síria. Isto reflete, entre outras coisas, seu temor de que a guerra civil e o possível acesso ao poder de forças islâmicas radicais nesse país fortemente armado terminem sendo ameaças ainda maiores do que a dinastia Assad.

O atual regime sírio, apesar de seu apoio ao Hezbolá, manteve em relativa calma a fronteira com Israel nos últimos 40 anos. Para Netanyahu, tem sido bastante cômodo concentrar a atenção internacional no Irã. Porém, para os neoconservadores norte-americanos, que geralmente acreditam saber mais do que Israel sobre seus próprios interesses, o regime de Assad é um inimigo e a situação atual representa a melhor oportunidade em décadas para destroná-lo. Envolverde/IPS

* O blog de Jim Lobe sobre política externa dos Estados Unidos pode ser lido em www.lobelog.com.