Guiado por um professor, um grupo de meninos aprende sobre raízes e plantas durante uma aula ao ar livre. Há poucos metros, protegido por um bosque bem preservado, outro grupo só de meninas estuda o que existe dentro das sementes, com a ajuda de uma professora. Não é o único momento do dia em que os sexos opostos não se misturam. Na Escola do Bosque/Mananciais, meninos e meninas brincam, comem e estudam totalmente separados. Localizada em um bairro de classe média alta em Curitiba, no Paraná, a escola é regida pela educação diferenciada por gênero ou “educação personalizada”. O princípio é o de que homens e mulheres são diferentes biologicamente e devem receber estímulos distintos para uma melhor aprendizagem.
Além da separação por gênero e do sistema de preceptoria, em que cada aluno teria a atenção de um professor, a religião é uma das marcas da Escola do Bosque. Há imagens de santos espalhadas pelas salas, orientações para orar antes e depois das refeições, aulas semanais de catecismo e, a pedido dos pais, encontros frequentes com um sacerdote do Opus Dei. Não se trata de um centro de preparação de soldados para a “Obra de Deus”, significado para a expressão em latim que dá nome a esse braço ultraconservador da Igreja Católica. Segundo o coordenador pedagógico Mayco Cazal, a escola optou pelo ensino de religião e não pelo ensino religioso. Assim, as aulas (opcionais) são voltadas totalmente para a doutrina católica. Cazal, formado em Pedagogia pela PUC-PR, explica que as demais religiões podem ser abordadas em outras aulas, como História.
Na prática, embora nunca se cruzem, alunos e alunas recebem o mesmo conteúdo pedagógico. Separados das 8h30 às 16h30, tanto em sala de aula quanto nos intervalos, as 35 crianças de 6 a 11 anos ocupam dois prédios em um terreno de 37 mil metros quadrados. As 14 meninas estudam mais afastadas da entrada principal, em uma casa adaptada para receber as turmas do primeiro ao terceiro ano do Ensino Fundamental. Um bosque se encarrega de deixá-las longe dos olhos dos 21 meninos que ocupam um prédio de dois andares, em turmas do primeiro ao quinto ano. Os professores também são separados por sexo: mulheres dão aula para meninas e homens para meninos.
De acordo com Valdir Fernandes, diretor de formação de pais e professores da Escola do Bosque, a proposta não é segregacionista, discriminatória ou conservadora. “O objetivo é o rendimento acadêmico. É uma proposta de vanguarda”, defende. O -principal argumento para privá-los do convívio é que homens e mulheres se desenvolvem em ritmos distintos. “A menina está dois anos na frente. Se você pega um menino e uma menina e tenta alfabetizá-los da mesma forma, isso acaba prejudicando a menina. Geralmente, numa escola mista, o professor vai nivelar por baixo. Aqui você pode desenvolver ao máximo cada um dos sexos.”
Metodologia e orientação cristã
Quando se pensa em educação em um sentido mais amplo, segundo a pesquisadora da Faculdade de Educação da USP Marília Pinto de Carvalho, a separação por sexo é desastrosa. “Vivemos na era da diversidade e da defesa de que o respeito à diferença deve ser aprendido desde cedo. Se há alguma diferença – seja de origem biológica, seja sociocultural – entre meninos e meninas, ela deve ser enfrentada ensinando a cada um a conhecer e a respeitar o outro”, analisa.
Comuns até o começo do século passado, as escolas single-sex perderam espaço no Brasil desde que as escolas públicas passaram a ser mistas, em 1950. Atualmente, de acordo com dados do Censo Escolar da Educação Básica em 2010, existem 612 escolas públicas e privadas funcionando em regime não misto no Brasil. Além de escolas de Ensino Básico, esse número compreende também centros de reeducação, escolas técnicas e escolas religiosas. No resto do mundo, entretanto, o movimento tem crescido – são 240 mil escolas não mistas no mundo, em 70 países. Nos Estados Unidos e na Inglaterra há, inclusive, escolas públicas com esse regime. Em São Paulo, o grande exemplo de escola diferenciada por gênero era o Colégio Catamarã, que funcionava também em regime integral, em duas unidades, nos bairros do Itaim e Ibirapuera
Tanto o Catamarã quanto a Escola do Bosque seguem uma metodologia desenvolvida pelo espanhol Víctor García Hoz, cujas ideias são difundidas principalmente pela organização Fomento de Centros de Enseñanza (Fomento de Centros de Ensino). Com sede em Madri, na Espanha, a instituição é ligada à organização católica Opus Dei, que, de acordo com o site oficial, ajuda a manter viva a identidade cristã dos colégios. Apesar de continuar seguindo a metodologia do Fomento de Centros de Enseñanza, o Catamarã deixou de separar seus alunos por sexo. De acordo com a assessoria de imprensa do colégio, o perfil da escola mudou. No entanto, a instituição não quis se pronunciar sobre o motivo da mudança nem dizer qual foi a data em que deixou de ser diferenciada.
Em Curitiba, a Escola do Bosque é mantida pela Associação de Educação Personalizada (AEP), descrita pelos funcionários da escola como um grupo de pais, conhecedores da educação personalizada, que estavam descontentes com as opções de escolas na cidade e decidiram criar seu próprio estabelecimento de ensino. Questionados sobre a presença do Opus Dei na escola, o grupo de coordenadores confirmou que a escola recebe “orientações da prelazia” da organização religiosa. Entretanto, negaram que o Opus seja dono do lugar.
Mãe de dois meninos e de uma menina matriculados na escola, a assistente social Ozana Nadalim desembolsa 1.350 reais de mensalidade para cada um dos filhos. Na opinião dela, o investimento vale a pena. “Eu sempre esperei uma escola assim. A Escola do Bosque me atraiu justamente por entender que a menina tem interesses diferentes do menino”, comemora.
Diretora da unidade feminina da Escola do Bosque, Lélia de Melo lista as vantagens da educação diferenciada: menor competitividade, melhor desempenho acadêmico e melhor comunicação. Na descrição da diretora, as alunas estão satisfeitas com o ambiente exclusivamente feminino. “Ás vezes, quando os meninos se aproximam muito durante as aulas de campo, elas perguntam: ‘o que eles estão fazendo aqui?’” Segundo ela, por se desenvolverem em tempos diferentes, meninos e meninas acabam competindo e se atrapalhando. “O clima aqui não é repressor, pelo contrário, é muito alegre”, garante.
Além disso, em turmas homogêneas sexualmente, as meninas teriam mais chances de se interessar por disciplinas tradicionalmente masculinas, como Matemática e Lógica, ao passo que os meninos se interessariam por Línguas ou Teatro, sem correr o risco da competição ou da pilhéria do sexo oposto. Cláudia Pereira Vianna, professora da Faculdade de Educação da USP, refuta essa tese. “Se você tiver uma turma mista e incentivar que os meninos aprendam Português as meninas aprendam Matemática, sem estimular a competitividade, eles também vão aprender. Eu acho que é um equívoco, principalmente em nome do desempenho escolar”, questiona. Especialista na questão de gênero na escola, Marília Carvalho completa: “Não há comprovação em larga escala de que esta separação seja melhor nem mesmo para a aprendizagem. Em geral, os exemplos utilizados para comprovar isso envolvem múltiplos outros fatores que podem ter levado a um melhor resultado em testes, como a atenção individualizada que essa escola de Curitiba promete”.
Embora eloquentemente defendida pelos pais, professores e coordenadores pedagógicos da Escola do Bosque/Mananciais, a proposta da educação diferenciada não parece ter ficado muito clara para quem mais interessa: as próprias crianças. Ao fim do dia, em tom de curiosidade, uma das três meninas sentadas na sala do primeiro ano do Ensino Fundamental, segredou: “Você já descobriu por que só estuda menina aqui?”
* Tory Oliveira faz jornalismo na Cásper Líbero e é repórter das revistas Carta na Escola e Carta Fundamental.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.