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Menos países mais pobres

Menina carregando um bebê em Luanda. Angola deixará de integrar a lista de países menos adiantados em 2015. Foto: Louise Redvers/IPS
Menina carregando um bebê em Luanda. Angola deixará de integrar a lista de países menos adiantados em 2015. Foto: Louise Redvers/IPS

 

Nações Unidas, 5/8/2013 – A quantidade de países menos adiantados (PMA) começa a diminuir lentamente. Botsuana, Cabo Verde e Maldivas se “graduaram” e passaram a ser considerados países em desenvolvimento. O número de PMA aumentava desde 1971, quando somavam 24. Hoje são 49. Se a situação econômica desses países continuar melhorando, pelo menos outros seis – Angola, Guiné Equatorial, Kiribati, Samoa, Tuvalu, Vanuatu – também poderão deixar o grupo dos mais pobres em 2015.

No entanto, outros são reticentes e buscam adiar a mudança de status por causa dos benefícios que os PMA recebem, como tarifas preferenciais para exportações e maior assistência ao desenvolvimento. A lista de possíveis “graduados” coincide com a divulgação de um informe da Organização das Nações Unidas (ONU), segundo o qual o fluxo de investimento estrangeiro direto para esses países aumentou 20% no último ano, atingindo a marca de US$ 26 bilhões.

As nações que mais capital receberam foram Camboja, na Ásia, e cinco países da África: Libéria, Mauritânia, Moçambique, República Democrática do Congo (RDC) e Uganda, todos PMA. O informe sobre os Investimentos no Mundo, deste ano, elaborado pela Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), com sede em Genebra, na Suíça, diz que o crescimento foi devido a importantes ganhos obtidos pelo Camboja, onde o fluxo de investimentos foi de 73%, bem como pela RDC (96%), Libéria (167%), Mauritânia (105%), Moçambique (96%) e Uganda (93%).

Contudo, em 20 PMA diminuiu o investimento estrangeiro direto, particularmente em Angola, Burundi, Mali e Ilhas Salomão. Considerados os mais pobres dos pobres, os PMA se caracterizam por terem extrema pobreza e uma estrutura econômica frágil. A isso se somam dificuldades geofísicas, limitada capacidade de crescimento e desenvolvimento, e vulnerabilidade diante de golpes externos, segundo a Unctad. O último país a entrar na lista é o Sudão do Sul, que se converteu em membro 193 da ONU em julho de 2011.

“Não está totalmente claro” se o aumento do investimento estrangeiro direto nos PMA é uma nova tendência ou um fenômeno pontual, disse à IPS Arjun Karki, coordenador internacional da LDC Watch, aliança global dedicada a questões de desenvolvimento nesses países. A redução do fluxo de capitais para os países ricos colocou os PMA no radar desses fundos, acrescentou.

“Se observarmos a tendência, os PMA com uma grande riqueza, como RDC, Libéria, Mauritânia, Moçambique e Uganda, são os que estão recebendo fundos”, pontuou Karki. Ao que parece, os investimentos tendem a se concentrar no setor das indústrias extrativistas, acrescentou. “Do ponto de vista do desenvolvimento, não é uma tendência muito animadora, pois reforça a noção de um crescimento baseado na produção dos PMA, o que não é sustentável”, ressaltou.

O Comitê da ONU de Políticas de Desenvolvimento costuma definir a “elegibilidade” dos países para lhes conferir o status de PMA em função de vários fatores, como população, renda e outros indicadores econômicos, mas a decisão final fica nas mãos das próprias nações implicadas. O Zimbábue, por exemplo, não quis unir-se ao grupo PMA apesar de ter as condições para isso.

O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, disse que o aumento do investimento estrangeiro direto coincide com um “momento importante”, quando a comunidade internacional faz um esforço final para atingir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em 2015. Um dos objetivos emblemáticos é erradicar a extrema pobreza e a fome, dois dos principais problemas dos PMA. Atualmente, a ONU trabalha para definir uma agenda de desenvolvimento para depois de 2015.

Karki disse à IPS que o novo Programa de Ação de Istambul dirigido aos PMA, para a década 2011-2020, representa uma leve mudança em relação à ideia de um crescimento baseado em melhorar a capacidade produtiva desses países para conseguir uma transformação estrutural de sua economia. Deve-se aplaudir os investimentos estrangeiros diretos nos PMA se apontarem para os setores fabril e de serviços básicos e de infraestrutura, como saúde, água e saneamento, eletricidade e comunicações.

O problema principal dos capitais irem para a indústria extrativista é que os benefícios não são distribuídos. As grandes multinacionais e as elites locais ficam com o dinheiro em prejuízo dos setores mais pobres, marginalizados e vulneráveis, observou Karki. A questão crucial da ampliação da brecha da desigualdade e da redistribuição dos recursos continua sendo um dos grandes desafios do desenvolvimento”, opinou o coordenador da LDC Watch, afirmando que “isto ficou patente em minha última visita a Libéria e Serra Leoa, dois PMA com muitos recursos, mas, infelizmente, com as populações mais pobres”, argumentou.

“A triste ironia levou nossos colaboradores da sociedade civil a propor que os ricos permanecessem na terra porque de todo modo não podiam garantir às pessoas o direito a um desenvolvimento sustentável”, destacou Karki. O crescimento negativo, especialmente em Angola, Burundi e Mali, pode ser atribuído à sua instabilidade política, que não é atraente para a chegada de capitais. “Dito isto, é interessante assinalar que o investimento estrangeiro direto é importante tanto em regimes autoritários como onde há governos vulneráveis, como ocorre na África e Ásia”, afirmou.

Outra razão para a redução do investimento estrangeiro direto é a evolução de alguns governos que promovem o desenvolvimento e tentam preservar os interesses nacionais e o direito dos povos frente à ameaça do puro lucro e dos saques. “Se isso for realmente correto, então os governos dos PMA estão no caminho certo para aliviar suas populações das causas estruturais da pobreza, das privações e das injustiças”, ressaltou Karki. A questão da soberania é fundamental em termos de se respeitar e se ajustar ao sistema de cada país. Do contrário, está provado que o investimento estrangeiro direto é a perdição do desenvolvimento sustentável, mais do que uma bênção, concluiu. Envolverde/IPS