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Mesoamérica maia: nova era, velha exclusão

Idosos da etnia maia kicé da Guatemala. Foto: Danilo Valladares/IPS

 

Cidade da Guatemala, Guatemala, 8/11/2012 – Sufocado pela miséria e marginalização, o povo maia da Mesoamérica terá pouco para celebrar no dia 21 de dezembro, quando começar uma nova era. Sua situação contrasta com o anúncio de luxuosas comemorações e ofertas de turismo promovidas pelo governo e por particulares. “É uma ofensa, um insulto e um contrassenso para os indígenas o fato de, enquanto continuam se debatendo na pobreza, se gaste recursos do Estado para celebrar o 13 B’aktun”, disse à IPS o ativista Ricardo Cajas, do não governamental Conselho de Organizações Maias da Guatemala.

“Não há nada para comemorar, este é um acontecimento de conhecimento ancestral que nos permite fazer uma análise do colonialismo interno existente na Guatemala, de uma classe dominante que mantém o povo indígena na subsistência e na pobreza extrema”, afirmou Cajas. A Guatemala, onde 41% de seus 15 milhões de habitantes se consideram indígenas, nunca teve um presidente desta origem e, atualmente, contam com apenas 19 dos 158 deputados, enquanto o único que se reconhece como nativo no gabinete de governo é o ministro de Cultura e Esportes, Carlos Batzín.

O calendário maia indica que o chamado 13 B’aktun, ou Oxlajuj B’aktun B’aktun, chegará ao seu final no dia 21 de dezembro, o que levou ao anúncio de grandes celebrações oficiais e provocou uma explosão comercial e turística nos sítios maias da Mesoamérica, a vasta região que inclui Belize, Guatemala, El Salvador, Honduras, Nicarágua e o sul do México. Segundo historiadores, o 13 B’aktun começou em 11 de agosto do ano 3.114 antes de Cristo, e após uma chamada “conta longa”, terminará em 21 de dezembro deste ano, para, então, voltar ao zero e se iniciar um novo ciclo com igual quantidade de dias.

Esta celebração maia também foi relacionada com premonições catastróficas e inclusive com o fim do mundo, o que foi totalmente desmentido pelos líderes indígenas. Na Guatemala, por exemplo, as autoridades do turismo informaram sobre a realização de 15 atos oficiais, entre eles uma apresentação multimídia de grande magnitude do legado maia, no dia 20 de dezembro, no sítio arqueológico Tikal, no departamento de Petén. A preparação para estes atos significou para o Ministério de Cultura e para o Instituto Guatemalteco de Turismo gastos equivalentes a US$ 8,5 milhões, segundo o não governamental Observatório Indígena.

Graças às intenções promocionais alusivas, Guatemala, Honduras, El Salvador e Belize esperam cerca de cinco milhões de visitantes, e o México outros dez milhões apenas nos Estados do sul, em média, 10% mais do que no ano anterior, segundo a Organização Mundo Maia, que reúne os institutos de turismo da região. No entanto, esse aumento de divisas irá para os cofres do Estado sem que as autoridades considerem entre suas prioridades do orçamento nacional as necessidades dos indígenas, conforme denunciam seus líderes.

Cajas acusou o “sistema socioeconômico neoliberal do Século 20, baseado no livre mercado, porque não tem ética nem moral ao passar sobre os direitos dos povos indígenas”, entre estes a terra. Cerca de 80% das terras produtivas da Guatemala estão em mãos de 5% dos produtores, enquanto a população rural equivale a 61% da população total e 80% desta é pobre, em sua maioria indígena, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).

“Na América Central os aborígines historicamente estão entre os setores mais pobres da população”, disse à IPS o ativista Néstor Pérez, do não governamental Conselho Indígena da América Central, com sede San Salvador, capital salvadorenha. Paradoxalmente, “os territórios indígenas contam com muita riqueza natural e mineral, mas em muitos casos os interesses econômicos se antepõem aos direitos coletivos dos povos originários violentando a legislação nacional e internacional que protege seus direitos”, acrescentou. Pérez também lamentou que a chegada do 13 B’aktun se foque na atração do turismo e veja o indígena e suas práticas ancestrais “unicamente como shows folclóricos”, e pediu urgência na promoção de políticas para melhorar suas condições econômica e social.

Na Mesoamérica se desenvolveram sociedades muito complexas e das mais avançadas para sua época neste continente, até a chegada dos conquistadores espanhóis, entre elas maias, olmecas e astecas, com enorme riqueza cultural, científica e biológica. A América Latina conta com cerca de 400 povos originários, que somam aproximadamente 50 milhões de pessoas. Na região central da Cordilheira dos Andes, que compreende hoje os territórios de Equador, Peru e Bolívia, e na Mesoamérica, vivem 90% dos aborígenes do continente, segundo organizações não governamentais.

A marginalização das populações autóctones persiste na região, denunciou Dalí Ángel, ativista da não governamental Aliança de Mulheres Indígenas da América Central e do México, com sede na capital mexicana. Os nativos de Honduras são uma mostra disso, como afirmou Timoteo López, do privado Conselho Nacional Indígena Maia Chortí. “Nosso desenvolvimento se vê limitado em parte porque o poder serve apenas para proteger os interesses dos que estão governando”, destacou Chortí à IPS

O povo maia chortí conseguiu alguns avanços em matéria de educação, admitiu López, mas “à custa de muitos esforços de incidência política, peregrinações a ponto de sofrer ameaças de morte, e inclusive assassinato de líderes”. Por sua vez, Ángel, líder zapoteca, tem especial preocupação pelas concessões concedidas pelo governo mexicano a empresas transnacionais em territórios indígenas sem levar em conta as consultas comunitárias, como manda o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais.

“O Estado mexicano sempre outorgou concessões a indústrias, e ultimamente há mais facilidades para a entrada destas indústrias, decorrentes de reformas da Constituição”, entre extrativistas e de energia, disse Ángel à IPS. Os indígenas representam 9,8% dos 112 milhões de habitantes do México, concentrados principalmente em Oaxaca e Chiapas, segundo a estatal Comissão Nacional para o Desenvolvimento dos Povos Indígenas. Nesses dois Estados, e também em Guerrero, uma em cada três pessoas vive na indigência, segundo o Observatório de Política Social e Direitos Humanos.

“Estão vendendo até o ar”, queixou-se Ángel, denunciando que o presidente do México, o conservador Felipe Calderón, inaugurou recentemente, no istmo de Tehuantepec, no sudeste do país, um projeto eólico “que, com enganações, obrigou moradores das comunidades a assinar contratos para ceder seu território a empresas espanholas”. A ativista também recordou o caso da exploração de minérios na região de Wirikuta, no Estado de San Luis Potosí, considerada sagrada e patrimônio mundial, cujas atividades atentam contra o meio ambiente do povo wixárika, segundo a Comissão Nacional de Direitos Humanos. Envolverde/IPS