Salvador foi minha primeira grande cidade. E foi também a primeira vez na minha vida que eu vi uma biblioteca, que foi a biblioteca do Colégio Central da Bahia. Eu fui com o meu tio, que foi até lá pra matricular o filho dele. Pra mim foi um choque, foi a primeira vez que eu vi tantos livros juntos em um lugar. Foi muito importante. Isso marcou. Tanto que assim que eu cheguei em São Paulo e comecei a trabalhar lá na Santa Ifigênia, logo eu tive o primeiro contato com a biblioteca Mario de Andrade. De repente, eu vejo aquele monstro ali naquela praça, fui olhar, era uma biblioteca. Entrei lá tímido, olhando, vi as pessoas lá estudando. Perguntei lá pra senhora, ela orientou, mostrou.
Eu passei a frequentar também as livrarias, chegar, ficar olhando os livros. O primeiro livro que eu comprei em São Paulo foi uma Gramática de Latim, não sei pra quê, que era de Napoleão Mendes de Almeida. Em São Paulo eu vivi juntando muitos livros. Perdi muitos livros no fechamento do Crusp (Conjunto Residencial da USP), mas eu continuei juntando livros, comprando livros. Era um problema sério quando tinha que mudar de São Paulo pro Rio de Janeiro, do Rio pra Brasília, de Brasília pra Recife, de Recife pro Rio… Mas fui juntando.
Quando foi em 2001, eu estava no IBCT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia) e tinha um projeto do governo federal que era pra construir a Sociedade da Informação. E uma das propostas era a criação de bibliotecas comunitárias e apoio às bibliotecas públicas. O projeto tinha uma proposta belíssima. Eu me envolvi. Eu já tinha uns 20 mil livros aqui em casa. A casa só tinha livros: livro embaixo da cama, em cima da mesa, no armário. Você abria o armário e caía livro.
Aí veio a ideia e eu comecei a criar a biblioteca em São José do Paiaiá, onde me criei. Mas isso gerou problema também lá. Porque as pessoas mais velhas acharam que eram livros roubados. Como é que uma pessoa, filho de lá, ia juntar tantos livros? Teve até uma outra senhora que na época reagiu muito, dizendo: “Pra que biblioteca aqui? Nós não precisamos de biblioteca, precisamos de uma indústria, uma fábrica. Por que não traz aqui uma fábrica pra gerar dinheiro?”. Essa foi a reação dela logo no início. Hoje é o contrário, ela é aliadíssima da biblioteca, defensora com unhas e dentes.
E foi crescendo a ideia da biblioteca. Hoje tem 65 mil livros. E eu comecei a perceber que o livro sozinho não tinha importância. Então já vinha trabalhando com o público a questão da leitura, a gente já tinha uns trabalhos aqui de comunidade. Ia visitar a comunidade e trabalhar com leitura. Aquilo começou a refinar mais a minha ideia: “Agora tem que trabalhar com mediadores de leituras”. Uma professora deu uns cursos de mediação de leitura, outras duas deram cursos de pintura em tecido, arte culinária, etc.
Então eu acho que já mudou muito. Na época foi mais um desvario: “Vou botar uma coisa aqui, uma biblioteca, pra ver se esse pessoal começa a ler e, quando sair daqui, não vai enfrentar os problemas que eu enfrentei em São Paulo…”. Já é diferente hoje. Mas vamos ver se a gente consegue desenvolver aqui uma espécie de Economia da Cultura por meio da leitura. E melhorar também a qualidade de vida, ou então criar alternativas para essas pessoas não saírem daqui, ficarem trabalhando, e com uma certa dignidade, não tão sofrido como o pessoal vive.
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* Esse texto faz parte da coleção Histórias que Mudam o Mundo, criada e mantida pelo Museu da Pessoa. Nela, encontram-se grandes e pequenas histórias de mudanças que acontecem todos os dias ao nosso redor, transformando vidas e fazendo do mundo um lugar mais justo, mais bonito e mais feliz.
** Publicado originalmente no site As Boas Novas.