Londres, Inglaterra, 30/06/2011 – Os empréstimos de escala muito pequena se propagam a um ritmo vertiginoso com a participação de bancos e instituições financeiras privadas. Porém, muitos especialistas se preocupam com a ingenuidade com que alguns defensores expõem seus benefícios.
Em 2009, 128 milhões de pessoas receberam pequenos empréstimos, segundo a Campanha da Cúpula do Microcrédito. É usado, cada vez mais, para projetos duvidosos, da reconstrução do Haiti após o terremoto e programas de negócios no Iraque, até ajuda financeira para o consumo em épocas de escassez de alimentos em Bangladesh.
“O microcrédito tem certo atrativo populista”, afirmou Ha-Joon Chang, professor de Economia da britânica Universidade de Cambridge. “Colocar dinheiro e esperar um bom resultado sem oferecer serviços adicionais para aumentar a produtividade, como depósitos, fertilizantes, mercados de exportação, pesquisa de mercado, etc., é reproduzir a pobreza, não eliminá-la”, disse à IPS.
“Se um empréstimo é concedido a uma pessoa para comprar um telefone e alugá-lo, é possível que faça algum dinheiro, mas rapidamente será imitada e a competição será forte. As pessoas mais pobres têm à disposição limitadas iniciativas nesses contextos e poucas possibilidades de gerar lucro”, explicou. O microcrédito aumenta as chances de criar negócios, mas não está claro que tais iniciativas crescem.
O professor Abhijit Banerjee, do Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), fez uma série de testes controlados aleatórios de pequenos empréstimos, e concluiu que a evidência de crescimento empresarial é escassa. “São criados muitos negócios, mas poucos prosperam. Claro que não há provas sólidas para dizer que não pode acontecer, mas no momento a evidência não indica isso”, acrescentou Banerjee.
Uma das consequências da criação de empresas que não crescem é a formação de economias “atomizadas” com muita atividade de pequena escala e falta de iniciativas medianas, alertou o professor Aneel Karnani, da norte-americana Universidade de Michigan. “Não aportam nada, pois os recursos são limitados. O microcrédito atrai muito dinheiro, capital humano e político, energia e entusiasmo de organizações não governamentais e governos, que poderiam se dedicar a fomentar as pequenas e médias empresas, o verdadeiro motor da geração de empregos”, disse à IPS.
A esmagadora maioria dos pobres deseja empregos formais, mais do que oportunidades de ser empresário, lembrou Karani. “O microcrédito se baseia na falácia de que as pessoas não só querem ser empresárias, mas também têm a capacidade para ser”, afirmou. “A maioria das pessoas não é assim. Nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha, 90% da população economicamente ativa prefere ser assalariada do que empresária. Se isso acontece em países ricos, com boa educação e excelente infraestrutura pública, por que acreditamos que as pessoas das nações pobres iriam querer isso?”, questionou Karnani.
Denúncias de fraudes e investimentos mal feitos motivaram reclamações para que seja dada capacitação adicional em questões financeiras, embora o professor de economia Dean Karlan, da norte-americana Universidade de Yale, discorde sobre o assunto. “Me preocupa o alcance dos programas de capacitação em finanças. Talvez tenhamos de aceitar o conhecimento das pessoas e trabalhar com isso. O governo pode desempenhar um papel na proteção do consumo. Precisamos de provas, não de suposições nem retóricas dogmáticas para saber como seguir adiante”, argumentou Karlan.
Como Banerjee, Karlan está interessado em conseguir provas para melhorar a avaliação de mecanismos de microcrédito, e descreve os estudos de “antes e depois”, empregados por defensores e opositores, como “bobagem analítica”. Pelo critério que se mede o sucesso, é impossível provar se depois de obter um empréstimo um cliente deixa de “vender a preço de liquidação total em tempo de crise”, ressaltou.
As provas aleatórias controladas são uma forma rigorosa de estudar o impacto do microcrédito. Independentemente da forma de avaliação, a preocupação de alguns especialistas se concentra nas consequências das inevitáveis dificuldades de não poder pagar ou a preocupação pessoal de estar nessa situação, em grande parte derivada da vergonha pública associada ao fracasso.
“O argumento de que o microcrédito não implica danos colaterais é falsa”, afirmou Kasia Paprocki, do Instituto Goldin. “Os financistas fazem um inventário do que você tem, panelas, frigideiras, bens de produção, etc., e confiscam tudo se não pagar. Há quem perdeu o teto, literalmente, por não conseguir pagar”, disse à IPS.
Há casos de violência física e sexual de prestamistas, contou Paprochi. Em Bangladesh, as pessoas vendem alimentos doados pelo governo em época de escassez para pagar empréstimos. Paprochi disse, ainda, que muitas mulheres com dificuldades para saldar sua dívida acabam isoladas da comunidade sem poderem recorrer às suas redes sociais.
Paprochi também se preocupa com o entusiasmo dos doadores. Alguns, inclusive, dizem às organizações não governamentais que não lhes darão dinheiro a menos que seus programas adotem o microcrédito. A maioria dos críticos dessa ferramenta reconhece que ela chegou para ficar. Alguns, como Karnani, desejariam que desaparecesse. Outros, mais moderados, como Chang, acreditam que podem contribuir para o desenvolvimento, mas em um contexto com mais intervenções.
E outros, os chamados “randomistas”, como os de Yales e MIT, só desejam melhorar o conhecimento sobre o impacto do microcrédito antes de continuar difundindo-o. O que está claro é que acabou a lua de mel. Envolverde/IPS