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Microcrédito bate à porta, mas devagar

Havana, Cuba, 27/6/2011 – O sistema de microcrédito pode chegar a Cuba pelas mãos das reformas que aguardam seu suporte jurídico e legal para estrearem no novo cenário surgido do processo de atualização do modelo econômico, empreendido pelo governo de Raúl Castro. “Até um ano e meio atrás, mais ou menos, não se podia falar sobre este assunto, mas agora a situação é diferente”, disse à IPS um diplomata europeu que pediu para não ser identificado para evitar maus augúrios sobre um assunto que tem suas complexidades em se tratando de Cuba. “O microcrédito passou de ser algo quase sacrílego para algo interessante”, destacou.

Por sua vez, Juan Diego Ruiz, coordenador-geral da Cooperação da Espanha em Cuba, explicou que a palavra microcrédito não constava da linguagem cubana e que, talvez, ainda não seja a mais correta neste caso. “Hoje se fala mais em política creditícia, de crédito para o setor produtivo, um tema que está tanto nas ruas quanto nos escritórios”, disse à IPS.

Entre as entidades que vieram a Cuba tatear o terreno figura o Instituto Nacional para o Microcrédito, da Itália, que organizou visitas à ilha, em evidente demonstração de que o assunto das microfinanças abre caminho, pouco a pouco, no contexto de projetos de desenvolvimento e de abertura ao setor privado, nos quais a cooperação internacional pode ter um papel importante.

Este tipo de empréstimo nasceu na década de 1970 como alternativa de financiamento para pessoas de poucos recursos econômicos, que precisavam de um capital para gerar patrimônio ou ativos produtivos. Ao contrário do crédito tradicional, não pede garantias para a concessão, seus valores são relativamente pequenos e os pagamentos das prestações são semanais ou quinzenais.

Estas diferenças levam a definir as instituições microfinanceiras como entidades com altos custos administrativos que são cobertos por altas taxas de juros que gera sua carteira de clientes, composta por um grande número de empréstimos de curto prazo, sem garantias, e que se concentram em uma reduzida área geográfica. Em Cuba existem os créditos em moeda nacional focados no consumo, como a compra individual de bens domésticos, e os voltados ao setor agropecuário organizado em cooperativas.

A estratégia lançada pelo sexto congresso do Partido Comunista de Cuba (PCC) para modernizar o modelo econômico prevê ampliar e diversificar as possibilidades em matéria de empréstimos bancários. O programa de 313 pontos, que traça a diretriz econômica e social para os próximos anos, esclarece que a política creditícia estará dirigida, fundamentalmente, a dar o apoio necessário às atividades que estimularem a produção nacional, geradoras de renda em divisas ou de substituição de importações, bem como outras que garantam o desenvolvimento.

Por outro lado, desde março está aprovada a política bancária e de créditos para as pessoas naturais, que inclui, entre outras medidas, conceder empréstimos aos produtores agropecuários para a compra de implementos e insumos nas unidades de comércio varejista, com o objetivo de elevar a produção de alimentos no país. Além disso, conceder também créditos às pessoas autorizadas a trabalhar por conta própria para financiar o capital de trabalho e os investimentos mediante compra de bens, insumos e equipamentos, e permitir que os que trabalham por conta própria vendam produtos e serviços às entidades estatais, com prévio acordo entre as partes.

Justamente nestes setores emergentes, surgidos no calor da entrega de terras em usufruto a milhares de pessoas e à ampliação de ofícios e atividades para exercer por conta própria, é onde o microcrédito poderia ter maior impacto, pelo menos inicialmente, embora falte definir os aspectos legais e jurídicos que regulariam a questão creditícia em geral.

Nestas novas formas de gestão não estatal, os empréstimos em pequena escala poderiam facilitar o acesso a máquinas, ferramentas, insumos e meios de trabalho, além de fortalecer as capacidades para contratar serviços ou mão-de-obra de uma maneira estimulante, entre outros eventuais benefícios. No trabalho por conta própria “é onde melhor se encaixa o microcrédito puro, focado no setor individual”, disse à IPS Tomás Marco, responsável em Cuba pelo desenvolvimento agropecuário do Escritório Técnico de Cooperação da Espanha. “Abre-se uma possibilidade, nem mesmo é uma certeza. Não se sabe se será permitido oferecer crédito em divisa a quem trabalha por conta própria”, acrescentou.

A dualidade monetária ou livre circulação de uma moeda nacional (peso) e o peso conversível cubano (CUC), que desde 2004 substitui o dólar em toda transação, figura entre os desafios a vencer também em matéria de crédito em um cenário no qual não se vislumbra solução de curto prazo para esse fenômeno. “Outro obstáculo grande é a capacidade de compra. Pode-se conceder um crédito em divisa às Unidades Básicas de Produção Cooperativa (do setor agropecuário), mas estas não podem comprar diretamente em divisa. É preciso aguardar que as diretrizes se concretizem em normas, ver como são regulados estes aspectos”, disse Marco.

Rodolfo Hernández, oficial de programa da Agência de Cooperação Suíça (Cosude), considera que o microcrédito em Cuba pode beneficiar “fundamentalmente” setores de renda média e baixa, com determinada prioridade para mulheres e jovens. “Seria importante que os créditos fossem concedidos nas duas moedas, que fossem criados estabelecimentos para venda em nível municipal e submunicipal, que estes sejam concedidos com uma porcentagem de juros que permita, por um lado, a sustentabilidade do processo e o pagamento do serviço das instituições que emprestam, e, por outro, o acesso das pessoas de renda média e baixa”, acrescentou o especialista.

Para Hernández, o dinheiro deveria ser canalizado por meio do Banco de Crédito e Desenvolvimento, ou de um banco local criado com esse objetivo e por cooperativas de segundo grau (nas quais os sócios são outras cooperativas) que alcancem uma renda suficiente para assumir esse compromisso.

Ruiz não descarta que, no contexto da cooperação internacional, possam funcionar instrumentos de crédito não comerciais, mas reembolsáveis. “Existe a oportunidade e a vontade. Nos últimos meses houve várias visitas à nossa sede (Agência Espanhola de Cooperação Internacional) informando sobre a experiência em matéria de crédito que pudesse ser aplicada em Cuba”, acrescentou. Envolverde/IPS