Washington, Estados Unidos, 23/5/2011 – Enquanto aumenta a controvérsia sobre a eficácia das microfinanças, a 15ª Cúpula do Microcrédito, que acontecerá entre 14 e 17 de novembro em Valladolid, na Espanha, será obrigada a responder perguntas cruciais sobre os recursos e as táticas para aliviar a pobreza. Convocada pela Campanha da Cúpula do Microcrédito, um projeto do Fundo Educativo Results, a reunião deste ano se baseará em dois objetivos: estender opções de créditos a 174 milhões das famílias mais pobres do mundo, e conseguir que cem milhões delas superem o umbral de US$ 1,25 por dia, e conseguir que 500 milhões de pessoas abandonem as fileiras da pobreza abjeta até 2015.
No ano passado, a ideologia e as instituições emblemáticas do microcrédito, criadas pelo economista Mohammad Yunus, de Bangladesh, conseguiram contornar uma enxurrada de críticas, mas, neste mês, após o que se acredita ter sido uma campanha motivada politicamente contra Yunus, e depois de uma prolongada disputa com o governo de Bangladesh, este economista renunciou ao cargo de diretor-executivo do Grameen Bank, instituição que fundou e que se converteu no norte do esforço, agora mundial, em favor dos microcréditos.
A batalha que terminou com sua renúncia começou com argumentos de que havia superado a idade obrigatória para se aposentar, e incluiu a decisão do Supremo Tribunal desse país de destituí-lo, desconsiderando a apelação que apresentou. Sam Daley-Harris, fundador da Campanha da Cúpula do Microcrédito, criticou a decisão em um artigo intitulado “Two Steps Backward for Innovation to End Poverty” (Dois Passos Atrás na Inovação para Acabar com a Pobreza).
“A atrocidade aqui é o fato de a independência e a integridade de uma das principais instituições mundiais de luta contra a pobreza estar em sério perigo”, escreveu Daley-Harris no Microfinance Focus. “O Grameen Bank, uma instituição com mais de oito milhões de clientes de microcréditos que demorou 35 anos para se estabelecer, pode ser destruída em questão de meses pela incompetente ação do governo”, afirmou. No entanto, a interferência governamental no esforço pelos microcréditos é apenas um dos vários obstáculos que surgem no caminho da campanha.
Vikas Bajaj, colunista do The New York Times radicado em Mumbai, coescreveu, no ano passado, um artigo contra a transição da qual foi alvo o esforço pelas microfinanças. Ali afirmou que estas deixaram de ser “uma promissora via de saída da pobreza para milhões”, para passar a ser um giro por “fundações, capitalistas de risco e o Banco Mundial, que usam os países pobres como placas de petri para as empresas sociais com fins lucrativos que buscam fazer dinheiro em lugar de atender uma necessidade social”.
Segundo Bajaj, agora se aceita amplamente a noção de que as microfinanças em busca de lucro – onde investidores de capitais locais e estrangeiros esperam enormes retornos – acabam empurrando as mulheres, que são seu principal “mercado”, a um endividamento maior, o que no final lhes tira poder.
David Korten, presidente do People-Centered Development Forum, escreveu, no começo deste ano, sobre o “regresso a Wall Street” na revista Yes!, afirmando que “na medida em que os programas de microempréstimos passaram a centrar-se nas porcentagens dos pagamentos de dívidas e em expandir suas carteiras de empréstimos, buscaram novas fontes de capital para aumentar seu alcance”.
Muitos recorreram a investidores estrangeiros, “mas, como os capitais de investimento entram em conflito com o modelo sem fins lucrativos, muitos programas de microcrédito mudaram seu status para empresas com fins lucrativos, e transformaram seus ativos filantrópicos em ativos privados” que buscam ganhos econômicos, acrescentou Korten.
O próprio Yunus já havia destacado as consequências dessas mudanças quando disse que “para garantir que os pequenos empréstimos fossem lucrativos, os bancos elevaram os juros e se comprometeram em um mercado agressivo e em uma série de empréstimos”, fazendo desaparecer o tipo de empatia que uma vez se professou em relação aos que tomavam empréstimos quando os que emprestavam não tinham fins lucrativos.
Um passar de olhos nos números mostra que é fácil ver porque as microfinanças com fins lucrativos são tão atraentes para os capitalistas de risco. Tanto o Microfinance Focus quanto o The New Yor Times informaram que, em meados de 2010, os acionistas do gigante indiano das microfinanças SKA gerava US$ 350 milhões no mercado de valores, experimentou em cinco anos aumento de 100% em seus ganhos anuais.
Alguns ativistas e economistas, que durante muito tempo criticaram o microcrédito como solução de curto prazo para um problema estrutural, aproveitaram o fato de, para muitos, a imagem das microfinanaças ter caído para defender uma agenda mais radical. A ambientalista e filósofa Vandana Shiva afirmou, durante anos, que as microfinanças são a única solução em um contexto particular. “Entretanto, os créditos, os empréstimos e a circulação de dinheiro não podem resolver os problemas da alienação”, ressaltou.
“A privatização da água, que eleva seu custo, pode ser financiada por meio de fluxos de crédito, mas a solução para o acesso, na realidade, tem a ver com o direito básico a esse bem”, declarou Vandana. “Os direitos não podem ser substituídos pelo crédito. Devem ser reconhecidos como direitos coletivos sobre a riqueza comum deste planeta. O crédito pode chegar depois de se ter oferecido uma solução em matéria de direitos”, ressaltou.
Daley-Harris alertou que este momento não deve ser usado para destruir o legado do microcrédito, mas para reivindicar sua missão visionária. “As pessoas dizem que as microfinanças são realmente más ou que são realmente boas, como se houvesse um modelo de microfinanças. Não é assim”, disse à IPS. “E qualquer tentativa de fechar o Grameen Bank em Bangladesh é uma farsa”, ressaltou, lembrando que a comunidade internacional deve distinguir entre as críticas legítimas dos ativistas e a manipulação política por parte de governos corruptos.
“Nas microfinanças temos a tarefa de tornar mais fácil que os políticos nos aprovem”, disse ao The New York Times Alex Counts, diretor-executivo da Grameen Foundation, com sede em Washington. “Temos que impor a nós mesmos a disciplina da transparência em relação à redução da pobreza”, acrescentou. Envolverde/IPS