Arquivo

Milhares de cristãos iraquianos fogem para a Jordânia

Marvin Nafee, um cristão iraquiano que fugiu para a Jordânia para escapar do grupo extremista Estado Islâmico, reza para recuperar “a segurança da Mosul de dez anos atrás, onde todos conviviam em paz”. Foto: Areej Abuqudairi/IPS
Marvin Nafee, um cristão iraquiano que fugiu para a Jordânia para escapar do grupo extremista Estado Islâmico, reza para recuperar “a segurança da Mosul de dez anos atrás, onde todos conviviam em paz”. Foto: Areej Abuqudairi/IPS

 

Amã, Jordânia, 3/11/2014 – Os vídeos e as fotos que Marvin Nafee via nas redes sociais mostravam o avanço do grupo extremista Estado Islâmico (EI) no interior da Síria, mas, para este cristão de 27 anos, tudo isso parecia muito distante da sua realidade no Iraque. “Não acreditávamos, parecia tão irreal”, contou à IPS. Porém, apenas alguns meses mais tarde, em junho, sua cidade natal, Mosul, caiu sob controle do EI num período de duas horas, e ele e milhares de cristãos tiveram que fugir.

Nafee se refugiou na Jordânia, junto com seus pais e dois irmãos. “Não há nada como a paz e a segurança”, disse na igreja latina na localidade de Marka, em Amã, que tem sido seu lar nos dois últimos meses. Em julho o grupo extremista avisou aos cristãos de Mosul que deveriam se converter ao Islã, pagar impostos ou renunciar aos seus pertences e deixar a cidade no norte do Iraque. Se não acatassem a ordem, o castigo seria a morte, “como último recurso”, ressaltava o EI.

“Já não restam cristãos em Mosul. Todos os nossos conhecidos a abandonaram, menos um grupo de idosos em um centro de atendimento que foram obrigados a se converter ao Islã”, afirmou Nafee. Milhares de iraquianos fugiram para a Jordânia desde Erbil, capital do Curdistão iraquiano.

A porta-voz da organização assistencial Cáritas, Dana Shahin, disse à IPS que, desde agosto, quatro mil cristãos iraquianos pediram ajuda no escritório desse grupo católico na Jordânia e que dois mil foram alojados em igrejas. As famílias iraquianas vivem nos pátios e corredores das igrejas na capital e nas cidades de Zarqa e Salt, no norte, convertidas em campos temporários de refugiados.

Na igreja latina de Marka, cerca de 85 pessoas dividem um cômodo de 21 metros quadrados. Crianças, idosos, homens e mulheres dormem no chão, com colchões adicionais dividindo a sala para lhes dar privacidade. Usam as instalações da cafeteria para preparar refeições com alimentos doados pela Cáritas. “A Jordânia foi generosa ao oferecer o que pode, mas esta não é uma situação de convivência ideal para ninguém”, lamentou Um George, uma mulher de 53 anos.

A maioria dos refugiados chegou à Jordânia sem um centavo e com pouco mais do que a roupa do corpo, já que o EI lhes tirou quase tudo que possuíam. Os homens do EI “revistaram todos nós, incluindo crianças, em busca de dinheiro”, contou o irmão de Nafee, Ihab, de 25 anos. “Demos tudo a eles, em nome da segurança”, destacou. A Sociedade do Centro de Caridade Islâmica forneceu moradias móveis pré-fabricadas para alojar os refugiados nos pátios das igrejas, e um número menor de iraquianos foi levado para apartamentos alugados, divididos por mais de uma família.

A Cáritas forneceu alojamento básico, comida, tratamento médico e roupa, mas ainda não há uma solução de longo prazo para os refugiados. “Ainda estamos avaliando suas necessidades. A maioria dessas famílias fugiu com quase nada”, explicou Andrew Harper, representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) na Jordânia. O Acnur registrou a entrada de 120 iraquianos por dia em agosto e setembro, dos quais mais de 60% declaravam que o medo do EI era sua razão para fugir do Iraque.

Cerca de 11 mil iraquianos se registraram no Acnur este ano, o que eleva o número total de refugiados desse país na Jordânia para 37.067. Desde 2003, a Jordânia é o lar de milhares de refugiados iraquianos. Muitos vivem em condições terríveis, ganhando a vida a duras penas, na medida em que os fundos assistenciais desaparecem. “Os refugiados iraquianos permanecem à margem dos doadores e das instituições”, apontou Eman Ismaeel, gerente do programa de refugiados iraquianos da organização humanitária Care International em Amã.

Impedidos de trabalhar legalmente, os iraquianos vivem nas áreas mais pobres do leste de Amã e Zarqa. Lutam para pagar o aluguel e enviar seus filhos à escola. A afluência de refugiados gerou um desafio para as agências de ajuda que trabalham na Jordânia, que já abriga mais de 618.500 refugiados sírios. “Temos mais refugiados do que nunca desde a Segunda Guerra Mundial, e os recursos são mínimos. Os desafios surgem todos os dias, mas esperamos superá-los com a ajuda internacional”, destacou Harper.

A maioria dos recém-chegados iraquianos ouvidos pela IPS disse que quer viver em países ocidentais. “O Oriente Médio já não é seguro para nós”, pontuou Hanna, de 60 anos. “Como cristãos sofremos desde 2003 e sempre tememos a perseguição”, acrescentou. Ela e suas filhas cobriam a cabeça para “evitar o assédio”, ressaltou. Mas o reassentamento em outros países “é um processo longo e segue critérios de vulnerabilidade”, explicou Harper. Milhares de iraquianos na Jordânia esperam por isso há anos, ressaltou.

Em seu refúgio em Marka,  Nafee mostra uma foto de sua casa em Mosul, marcada em vermelho com a frase “propriedade do Estado Islâmico” e “Nfor Nasara” (cristãos, em árabe). Um amigo muçulmano que continua vivendo em sua cidade natal lhe enviou a foto. Depois, esse mesmo amigo informou por e-mail que membros do EI haviam ocupado a residência.

Embora já tenha perdido a esperança de voltar algum dia com sua família ao Iraque, Nafee ainda acredita que as orações poderão lhe devolver a paz. “Sempre rezamos pela segurança da Mosul de dez anos atrás, onde todos conviviam e paz”, enfatizou. Envolverde/IPS