Dezenas de milhares de manifestantes saíram às ruas em importantes capitais europeias na jornada “unidos por uma mudança global”. Maiores atos ocorreram em Bruxelas, Madri, Barcelona, Roma e Londres. Para Jon Aguirre Such, um dos integrantes do grupo Democracia Já, da Espanha, o alcance e a extensão dos protestos “demonstra que não se trata de um tema que diz respeito unicamente aos espanhóis, mas sim ao mundo inteiro. A crise é mundial, os mercados atuam em escala global, a resposta, então, é mundial”.
“A bolsa ou a vida!” O cartaz colocado na fachada do edifício da Bolsa de Bruxelas serviu de fio condutor da jornada “unidos por uma mudança global”, que reuniu dezenas de milhares de pessoas em todo o planeta no dia 15. Ao longo do trajeto pela capital belga, cada vez que os cerca de sete mil manifestantes passavam por um banco ou qualquer outra instituição financeira um coro de vaias e gritos em todos os idiomas possíveis rompia o consenso festivo da marcha. Assim como em outras capitais do mundo, a impunidade dos bancos foi o alvo principal da manifestação popular. “Culpables, ladrones cabrones”, gritava um enraivecido senhor belga de aproximadamente 50 anos, que aprendeu com um indignado espanhol a dizer essas palavras em castelhano. Quando a marcha chegou à sede da Bolsa, a gritaria se tornou um slogan comum: “Culpados!”.
Logo em seguida, os indignados vindos de vários países da Europa lançaram uma chuva de sapatos contra o edifício da Bolsa, ante o olhar atônito e cheio de incompreensão dos jornalistas belgas que cobriam o evento. Um imenso fosso segue separando os círculos oficiais dos meios de comunicação e os milhares de jovens e adultos que saíram às ruas para expressar seu rechaço e sua repugnância frente a um sistema mundial que protege e subvenciona os ladrões e castiga as vítimas com todo o peso da irresponsabilidade e da indolência.
Ao longo da marcha, os indignados colaram dezenas de adesivos nos caixas automáticos de bancos, fizeram uma parada na Praça de Burckère, lançaram muitos insultos na frente da sede do banco Euroclear – a instituição pretende demitir 500 pessoas – sem cansar-se jamais de cantar o hino mundial das marchas: “We are the 99%”, ou seja, os 99% da humanidade vítima da barbárie social perpetrada sem piedade “por esses senhores de gravata, salários de reis e contas bancárias com dinheiro que não pertence a eles”, segundo disse André, um jovem belga com diploma de engenheiro de redes, mas sem trabalho. À medida que ia passando o tempo e os números da participação em outras cidades do mundo iam chegando aos seus ouvidos, os indignados celebravam e aplaudiam o êxito e a visibilidade planetária do movimento. “Não somos nem marionetes, nem mercadoria do liberalismo, somos gente com consciência, e aqui estamos para que nos vejam”, disse Antonio, um indignado espanhol que se expressava com orgulho e em um tom alto de voz.
Jon Aguirre Such, um dos integrantes do grupo Democracia Já, da Espanha, que impulsionou o movimento do 15M, resumiu muito bem a situação quando explicou que o alcance e a extensão dos protestos “demonstram que não se trata de um tema que diz respeito unicamente aos espanhóis, mas sim ao mundo inteiro. A crise é mundial, os mercados atuam em escala global, a resposta, então, é mundial”. Até os mais aguerridos militantes contra o sistema financeiro mundial observam espantados a forma como que, paulatinamente, os protestos contra o sistema financeiro, o repúdio à forma que foi reduzida a democracia, vêm ganhando as capitais do mundo.
Neste sentido, o economista Thomas Coutrot, co-presidente do movimento Attac, assinalou que “o que está acontecendo é um fenômeno muito promissor. Os cidadãos já não querem delegar as decisões aos políticos e aos partidos. Querem influenciar. É uma espécie de retorno às fontes da democracia”.
“Os países da zona do euro puseram 160 bilhões de euros para salvar a Grécia sem consultar ninguém, e isso em um momento em que os sistemas sociais da Europa estão afundando sob o peso dos cortes orçamentários. Isto não é democracia”, disse, colérico, Jean, outro jovem indignado belga. Ao lado dele, na concentração diante da Bolsa, Javier, um indignado espanhol que veio a Bruxelas há uma semana para participar das oficinas sociais organizadas desde o dia 9, completou o panorama com cifras mais concretas: “Se fazemos um balanço, dá calafrios; os Estados europeus entregaram US$ 5,3 trilhões para resgatar os bancos da crise. Nenhum Estado consultou a população, ou seja, quem vota naqueles que estão no poder. Essa soma equivale a 16 vezes o valor da dívida da Grécia e é mais de 400% do que todos os países da União Europeia gastam, juntos, em educação ou saúde pública. Estão nos tomando como idiotas!”.
Os argumentos destes indignados deixam em uma posição ridícula o punhado de contramanifestantes que se concentraram no início da marcha para protestar contra os indignados. Era um grupo de dândis, vestidos como tais, a quem um indignado disse: “se vocês não nos deixam decidir, nós não deixaremos vocês dormirem”. Com alguns incidentes, vidros quebrados, mas sem choques fortes com a polícia, a marcha belga se dirigiu para o ato final no Parque do Centenário. “Aqui estamos, e somos muitos”, disse Pierre, um indignado francês que caminhou desde Tolouse até Bruxelas. “Estamos aqui, em Roma, Madri, Washington, Nova York, México, Nova Délhi, Berlim, Paris, onde seja. Os poderosos do mundo trabalham para um pequeno grupo de amigos, ignorando a vontade popular. Essa lógica nos levou à hactombe que estamos vivendo. Isso acabou”.
O 15-O levantou boa parte do planeta, com maior ou menor êxito segundo o lugar. Em Roma, o protesto ultrapassou as intenções dos indignados. Sob uma enorme faixa que dizia “Povo da Europa, de pé”, dezenas de milhares de italianos encheram as ruas da capital italiana expressando sua indignação. Estudantes, políticos e representantes de associações civis percorreram Roma com globos e cartazes em uma caminhada pacífica até que um pequeno grupo de violentos semeou o caos no centro da cidade. Os incidentes aconteceram perto da estação de trens Roma Termini, na Via Merulana. Não restam dúvidas de que os distúrbios foram provocados pelo que se conhece como “profissionais da provocação urbana”.
Cerca de 200 manifestantes violentos queimaram automóveis, quebraram caixas automáticos, saquearam vitrines e incendiaram um anexo do Ministério da Defesa. Os distúrbios deixaram um saldo de 70 feridos. Nada disso ocorreu em Londres. A marcha londrina iniciou em um clima festivo, mas com episódios engraçados devido à corrida de gato e rato entre a polícia e os manifestantes. A Scotland Yard protegeu com um muro de policiais o objetivo final dos manifestantes, a saber, a Bolsa de Valores de Londres. Os manifestantes conseguiram rodear a Bolsa, mas sem maiores incidentes. Ante a surpresa geral, Julian Assange, fundador do Wikileaks, detido na Grã-Bretanha a espera de uma decisão judicial sobre o pedido de sua extradição para a Suécia, somou-se aos manifestantes. Assange disse à multidão que estava ali em “solidariedade aos movimentos que estão ocorrendo no mundo inteiro” e porque “todos queremos que haja um pouco de justiça no sistema financeiro mundial”.
Madri e Barcelona também foram cenário de mobilizações impressionantes. Em Madri, os indignados lotaram a Praça Cibeles e voltaram a ocupar a Porta do Sol, símbolo histórico dos protestos do 15M. Os indignados da capital espanhola puseram em cena um “escudo antimercados”. Cada manifestante levantou o amuleto que tinha na mão para afuguentar a “magia negra” dos mercados. Em Barcelona, dezenas de milhares de pessoas se concentraram na Praça da Catalunha com o mesmo propósito que animou manifestações no resto do planeta. A única diferença radica em uma cifra: o desemprego dos jovens na Espanha é de 20,89%.
Curiosamente, na França, o país de Stéphane Hessel, autor do livro Indigne-se, que deu nome ao movimento através do mundo, as marchas tiveram um impacto limitado. Em Paris, houve vários grupos de manifestantes que convergiram para a sede da Prefeitura, onde realizaram uma Assembleia Popular. Os indignados se reuniram também em uma dezena de cidades do país, mas sem alcançar jamais a intensidade de outras cidades do mundo. Os analistas explicam a escassa mobilização pelo fato de que o desemprego da juventude é menor e que, globalmente a situação é melhor do que a da Espanha ou Itália. No entanto, o sistema financeiro goza dos mesmos privilégios e da mesma impunidade em Londres, Madri ou Nova York. O 15-O demonstrou que o espírito da revolta e da indignação semeado há sete meses na Praça do Sol irradia hoje em todo o planeta enquanto os dirigentes políticos guardam um silêncio de mortos ante o desfile das dezenas de milhares de seres vivos que marcham com a mesma consigna: “Basta, ladrões!”.
Tradução: Katarina Peixoto.
* Direto de Bruxelas.
** Publicado originalmente no site Agência Carta Maior.