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Mineração do Zimbábue piora com a nacionalização

Ativistas e economistas acusam as empresas mineradoras nacionais de piorarem a vida das comunidades. Foto: 2E0MCA/CC By 2.0
Ativistas e economistas acusam as empresas mineradoras nacionais de piorarem a vida das comunidades. Foto: 2E0MCA/CC By 2.0

 

Mutoko, Zimbábue, 5/10/2013 – Ranganai Zimbeva, da aldeia de Mutoko, 200 quilômetros a nordeste de Harare, tapa os ouvidos e sacode a cabeça quando os mineiros que trabalham próximo provocam uma explosão para extrair granito negro de um penhasco. Profundos e amplos barrancos substituíram as pastagens que cercavam a aldeia de Zimbeva, na província de Mashonalandia Oriental, onde antes podia apascentar livremente o gado. Agora é difícil até mesmo ver o céu, já que as explosões lançam espessas nuvens de pó que cobrem tudo.

“Para algumas pessoas com problemas respiratórios, foi dito na clínica que a causa é inalar pó e fumaça. Essas companhias de mineração devem criar um fundo para garantir que os habitantes do lugar recebam tratamento adequado”, disse Zimbeva à IPS. “Às vezes o gado morre por beber água dos barrancos. Pode estar contaminada com produtos químicos e ninguém parece se importar. Tudo o que querem é dinheiro”, opinou essa mulher de 70 anos.

Mas as mortes de animais não são tão frequentes, e Zimbeva e os demais habitantes de Mutoko não têm provas de que a causa seja a atividade mineradora. Muitos moradores não têm dinheiro para cuidados veterinários. As pessoas aqui são pobres e passam fome devido às secas recorrentes. “Temos menos gado agora porque a extração desse granito negro acabou com as pastagens. E, pior, as mineradoras ignoram nossos pedidos de emprego para nossos filhos. Preferem gente de outras áreas”, se queixou.

Cerca de dez companhias nacionais e estrangeiras extraem granito nesse distrito rural. Agem com certo hermetismo e são difíceis de contatar. A IPS conseguiu localizar o representante de uma delas, mas ele se negou a fazer comentários. O Zimbábue tem alguns dos recursos minerais mais ricos da África, que incluem platina, diamantes, asbesto, grafite e ouro. Contudo, ativistas e economistas acusam as mineradoras nacionais de piorarem a vida das comunidades.

O economista independente John Robertson afirma que, ao contrário das empresas emergentes locais, que contam com grande apoio do governo, as transnacionais parecem considerar as necessidades da população local. “Algumas dessas multinacionais têm equipamentos de administração que assumem tarefas equivalentes às das municipalidades, com programas de saúde, educação e moradia. Nisso diferem das novas empresas extrativas nacionais, nas quais predomina a cobiça”, detalhou à IPS.

Para as famílias desalojadas que viviam na zona diamantífera de Marange, na província de Manicalandia, as mineradoras ofereceram uma compensação insuficiente. Estima-se que essa área, de 71 mil hectares, abriga um quarto das reservas de diamantes do mundo. Quase 700 famílias, que moraram ali por décadas, foram levadas para a fazenda abandonada de Arda Transau, nas proximidades de Mutare, principal cidade de Manicalandia. Os desalojados receberam casas nesse lugar e uma indenização, mas se queixam que a situação está pior. No total é preciso desalojar 4.300 famílias.

“A atividade mineradora em Marange ficou com grande parte das terras que eram trabalhadas pelos habitantes para subsistirem, bem como com infraestrutura comunitária, como as represas com as quais administravam a água de irrigação”, afirmou à IPS a diretora do Fundo de Desenvolvimento Comunitário de Chiadzwa, Melanie Chiponda. Essa organização defende os direitos das comunidades afetadas pela mineração. “Tiveram que fechar pequenos negócios, como pontos de venda e lojas”, destacou.

Segundo Chiponda, “as minas criaram uma síndrome de dependência nas famílias. As empresas não realizam atividades de responsabilidade social e as pessoas são secundárias. Tudo se trata de ganhos e nunca da população, que não está capacitada para negociar”. Essa ativista afirma que agora os aldeões estão pior do que antes, pois desde que foram reassentados dependem da ajuda alimentar de agências humanitárias e de doações das mineradoras. Muitas crianças abandonaram a escola para ajudar suas famílias vendendo lenha.

Freeman Bhoso, diretor-executivo do Fórum de Diálogo sobre os Recursos Naturais do Zimbábue, organização sem fins lucrativos que promove a extração sustentável, critica que as licenças para mineração sejam entregues a portas fechadas, sem conhecimento das comunidades. “Não é correta a forma como são concedidas as concessões, porque exclui as comunidades. Não há transparência e parece que são distribuídas segundo interesses políticos. Na maioria dos casos, os estudos de impacto ambiental são feitos muito depois de iniciada a atividade de mineração”, denunciou.

Um comitê parlamentar criticou, em um informe publicado em junho, o Ministério de Minas e Desenvolvimento Mineiro por conceder licenças sem tornar público os detalhes. O informe diz que a paraestatal Corporação de Desenvolvimento Mineiro do Zimbábue (ZMDC) tem ações em três companhias que operam em Marange. A ZMDC também possui 100% das ações de outra empresa mineira com projetos nessa área.

Gift Chimanikire, ex-vice-ministro de Minas e Desenvolvimento, do opositor Movimento para a Mudança Democrática, se negou a fazer comentários à IPS sobre as licenças e limita-se a indicar que o presidente do país, Robert Mugabe, o destituiu em julho. Enquanto isso, funcionários do Ministério derivam todas as perguntas ao atual chefe da pasta, Walter Chidhakwa, mas este não responde aos telefonemas.

O informe do comitê parlamentar também diz que o governo não “concretizou nenhuma contribuição significativa à economia do país com a mineração”, apesar de “os níveis de produção e a renda gerada pelas exportações estarem crescendo”. Em 2011 e 2012, as mineradoras que operam no Zimbábue exportaram diamantes no valor de US$ 797 milhões. Desse total, apenas US$ 82 milhões foram para os cofres do Estado. Bhoso assegura que as empresas não entregaram às comunidades o dinheiro dos fundos de propriedade comunitária, que o governo havia anunciado.

Segundo a Lei de Indigenização e Empoderamento Econômico, as mineradoras estrangeiras devem transferir 51% de suas ações para indivíduos ou entidades locais. Esses recursos deveriam ser depositados nos fundos comunitários e distribuídos entre as comunidades afetadas. “O principal problema é que o governo está muito envolvido nesses projetos de risco compartilhado, e as operações ganham uma dimensão política”, ressaltou Bhoso. Envolverde/IPS