Genebra, Suíça, 19/12/2011 – A Organização Mundial do Comércio (OMC) atravessa tempos difíceis desde sua criação, há quase 17 anos, mas nunca tão árduos como os que agora complicam sua oitava conferência ministerial, realizada entre os dias 15 e 17 nesta cidade. Como reconheceu seu diretor-geral, Pascal Lamy, o sistema multilateral de comércio está em uma encruzilhada, referindo-se à paralisação das negociações iniciadas há dez anos para aprofundar a liberalização dos intercâmbios, no que se chama de Rodada de Doha.
Da outra ameaça que paira sobre a instituição e o comércio, que é o clima de dificuldades econômicas que enfrentam Europa e Estados Unidos, ocupou-se o presidente da conferência, o ministro de Comércio e Indústria da Nigéria, Olusegun Olutoyin Aganga. Estes são tempos duros e não há uma saída à vista, admitiu Aganga. A crise econômica e financeira global, acentuada este ano na Europa, contraiu o comércio internacional e agora insinua provocar um aumento do protecionismo. A esse respeito, Lamy alertou que eventuais medidas protecionistas de alta intensidade podem custar à economia mundial perdas de US$ 800 bilhões.
A rejeição ao protecionismo é unânime entre os membros da OMC. No dia 15, isso foi confirmado por uma aliança integrada pelos grupos de Países Menos Avançados (PAM), pelo bloco África-Caribe-Pacífico (ACP), pelas economias pequenas e vulneráveis, bem como, de modo individual, também pelas delegações de Brasil, Argentina, China, Equador, Índia, Paraguai, Uruguai e Venezuela.
Esta aliança, denominada Amigos do Desenvolvimento, declarou-se comprometida em resistir a qualquer forma de protecionismo, sempre e quando “se reconhecer a capacidade de um membro usar medidas coerentes com a OMC para obter seus legítimos objetivos de crescimento, desenvolvimento e estabilidade”. A aliança afirmou estar integrada por mais de cem países-membros da OMC, e, se formalizar como grupo, será a aliança mais numerosa dentro da instituição.
Até o dia 17, a OMC era integrada por 153 Estados, dia em que, no encerramento de suas sessões, passou a contar com 157, pois os ministros aceitaram a incorporação de Rússia, Montenegro, Vanuatu e Samoa.
Outro risco para o debilitado sistema multilateral de comércio são as incitações das nações industrializadas, em particular dos Estados Unidos, a fazerem acordos plurilaterais, com um número menor de membros. Lamy se mostrou contrário a essa variante de acordos ao exortar os membros da OMC a defenderem os valores do multilateralismo.
Martin Khor, diretor do Centro Sul, um instituto de reflexão de países em desenvolvimento, observou que o novo grupo Amigos do Desenvolvimento rejeitou a adoção de enfoques plurilaterais para concluir a Rodada de Doha ou alguma de suas partes, porque conspira “contra os princípios do multilateralismo e da inclusão”. A OMC é uma instituição multilateral, com regras para todos e com benefícios que devem ser compartilhados por todos, disse Khor à IPS.
Existe o perigo de “os rapazes maiores se unirem em um acordo plurilateral e que outros menores fiquem de fora, porque não sabem como negociar ou por não desejarem”, alertou Khor. Neste caso, estaríamos diante de duas classes de membros da OMC, afirmou. Washington se mostrou favorável nos últimos dias à negociação de um acordo plurilateral no comércio de serviços.
O ministro de Comércio da Índia, Anand Sharma, disse que o grupo Bric, que seu país integra junto com Brasil, China e África do Sul, mantém um claro compromisso com o multilateralismo. O Bric também aprova a realização de negociações para tirar a Rodada de Doha do marasmo em que se encontra, mas previne que esse programa deverá manter seu enfoque centralizado no desenvolvimento, “sem enfraquecimento nem desvio”, advertiu Sharma.
Por sua vez, o argentino Ruben Cortina, do departamento internacional da central sindical Confederação Geral do Trabalho, reprovou a OMC por perder dez anos “discutindo sobre desenvolvimento sem que nada tenha acontecido”. Cortina afirmou que os ministros se reúnem para falar de negócios enquanto ignoram a crise econômica que se espalha. “Viajamos milhares de quilômetros para encontrarmos as mesmas respostas de sempre. Nos dizem que a liberalização do comércio trará ocupação, emprego decente, saúde e serviços públicos, mas passam os anos e nada disto se consegue”, ressaltou Cortina à IPS.
A norte-americana Lori Wallach, da organização não governamental Public Citizen, estimou que as normas da OMC foram escritas por e para 1% da população mundial. O resultado para os 99% restantes é negativo, com grandes crises nas finanças, na produção de alimentos, no emprego e no clima, aumento da fome, deslocamentos, perdas de sustento e destruição do meio ambiente. Envolverde/IPS