A economia mundial ainda não se livrou dos efeitos da crise de 2008 e já enfrenta uma segunda fase de turbulências, produzida pela revelação do profundo desarranjo que balança o sistema financeiro europeu e os próprios governos da comunidade. A confusão europeia acontece num momento de queda de confiança na capacidade do governo dos Estados Unidos de reanimar o circuito econômico, além do aprofundamento do processo de disfuncionalidade política que se instalou no sistema norte-americano.
Há claramente um déficit de liderança na grande maioria das nações desenvolvidas e um aumento da miopia e da descoordenação política, com o agravante do envolvimento de governos europeus na verdadeira conspiração que permitiu o desastre financeiro nesses anos recentes. O Brasil, felizmente, encontra-se mais bem preparado neste momento do que em 2007-2008, quando enfrentou as dificuldades da crise, conseguindo preservar a sua economia dos choques externos e conduziu um processo vigoroso de fortalecimento de seu mercado interno e expansão do consumo.
Hoje, surgem avaliações procurando diminuir o “efeito Lula” para o extraordinário sucesso que tivemos na superação da pior fase da crise. É bobagem negar seu grande mérito naqueles instantes cruciais, o que não impede o registro de que devíamos ter sido mais corajosos na política monetária, acelerando a queda da taxa de juros. Mas é graças à sua intuição e liderança que hoje temos um mercado interno ampliado, que nos dá mais confiança para enfrentar as novas turbulências.
Aperfeiçoamos a política monetária e no governo Dilma temos uma política fiscal bem melhor do que as pessoas querem acreditar. O Ministério da Fazenda e o Banco Central têm conduzido cuidadosamente a política econômica, e agiram muito bem ao jogar para 2012 o objetivo da meta inflacionária, porque assim o crescimento do PIB vai sofrer um tombo menor. Precisamos realmente reduzir a taxa de juros, mas temos de andar com cautela antecipada por um sólido programa fiscal de longo prazo. E só mexer quando chegar a oportunidade, porque baixar o juro é apenas um dos remédios.
A questão-chave para enfrentar a crise é (de novo) concentrar os esforços no fortalecimento e na ampliação do mercado interno. É inaceitável admitir que se estimule o desânimo ao consumo, seja qual for o pretexto que a imaginação dos catastrofistas puder inventar. O mercado financeiro já se convenceu de que a ação do BC está mais afinada com o conhecimento econômico e a realidade mundial do que a opinião de muitos prestigiados analistas do setor privado. A inflação brasileira tem duas componentes: uma vinda do exterior e outra interna, que talvez nem seja um excesso de demanda, mas um descompasso entre a oferta e a demanda de mão de obra mais qualificada, menos disponível. Estamos passando por um processo civilizatório que melhorou a vida das pessoas e elas procuram se acomodar em outro nicho com formas novas, buscando um nível superior de qualidade de vida, mudando inclusive de profissão.
Esse processo, bastante saudável, vai deixando lacunas na oferta de trabalho, com os efeitos que estão sendo observados em toda a economia. Não é uma situação que possa ser modificada de um momento para o outro, de modo que é aconselhável esperar um pouco para ver quais são os resultados das medidas do governo que ainda não esgotaram seu papel. Normalmente, levam seis meses ou mais para produzir os efeitos, e por essa razão o BC tem de agir como está agindo, com bastante cautela em relação aos juros, e começamos a reduzi-los o mais rápido possível.
Enquanto, nos Estados Unidos, a crise é de confiança, na Europa o problema é de solvência. Lá, os governos falharam nas tentativas de salvar os bancos, estão afundando com eles e levando junto a economia real produtiva. Isso sugere que não sairão tão cedo da crise: é coisa para durar três ou quatro anos, mesmo depois de se chegar a um acordo global. Em dois anos, mais de 15 governos mudarão de mãos na Eurolândia. Vai se ampliar o hiato até o estabelecimento de novas lideranças em condições de enfrentar a crise, cuja solução depende de uma vasta coordenação política para recuperar as finanças.
A Europa precisa de uma solução coordenada e definitiva, mas não está hoje em condições de encontrar saídas no curto prazo, o que dependeria de uma acomodação das dívidas de todos os países que fazem parte da zona do euro.
* Delfim Netto é economista, formado pela Universidade de São Paulo (USP) e professor de Economia, foi ministro de Estado e deputado federal.
** Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.