A experiência do município verde no Pará desmente os argumentos pelo afrouxamento do código local. Em 80 dos 144 municípios do Estado, 80 já aderiram.
O programa, que se inspirou no exemplo do Pacto pelo Desmatamento Zero de Paragominas, exige a assinatura de um protocolo com compromissos claros. Um “compromisso vinculante”, como o que desejam para o novo acordo global do clima. Por este protocolo, se obrigam, para serem fornecedores de carne, a promover o cadastramento ambiental rural das propriedades, ter metas de redução de desmatamento, que serão monitoradas e avaliadas. As exigências vão além do Código Florestal, porque os proprietários se comprometem a fazer a regularização ambiental de suas propriedades – o que significa cumprir as exigências do Código – e muito mais. Em Paragominas, por exemplo, o pacto prevê a moratória inclusive de desmatamento legal.
Não foi um caminho fácil. Começou com custos, oriundos das ações de comando e controle do governo federal, lista suja de municípios que mais desmatam, operações da Polícia Federal e do Ibama, corte de crédito, perda de mercado. A ação do Ministério Público, com o programa Carne Legal, levou os produtores a assinarem termos de ajuste de conduta para que os processos fossem interrompidos. Os prefeitos, temendo perdas econômicas com o embargo da produção de seus municípios, gerando desemprego e queda de receita, começaram a negociar seus próprios pactos contra o desmatamento ilegal. Quando o governo do Estado lançou o programa Municípios Verdes, estavam prontos para aderir. Aderindo, podiam usufruir das vantagens da certificação e rastreabilidade, que lhes facilita o acesso aos mercados de primeira linha, que pagam melhor e estabelecem laços de relacionamento mais fieis com seus supridores.
Adalberto Veríssimo, do Imazon, me disse que 90% das propriedades dos municípios que aderiram ao programa já fizeram o cadastro ambiental rural. Hoje, produtor que alega que é caro demais, tem resposta clara dos produtores que já fizeram: todos podem pagar, é um custo bastante acessível por hectare. Veríssimo diz que a maior parte do desmatamento nestes municípios ocorre agora nos 10% de propriedades que não fizeram o cadastramento.
Os municípios legalizados puxaram a queda do desmatamento no Estado, que ainda tem regiões de desmatamento intensivo. Um foco está na região de influência dos guzeiros, por causa do corte ilegal para fazer carvão vegetal. Com relação ao ferro-guza, o governo do Pará está tomando medidas para impedir o desmatamento para produção de carvão vegetal. Está criando custo tributário e proibiu o transporte de carvão. O guzeiro não pode mais dizer que está usando carvão de outras localidades. Todo o carvão que usa é local. Isto facilita a fiscalização.
Na grande região no entorno de São Félix do Xingu e no eixo da BR163, a Cuiabá-Santarém, há ainda muita especulação com as terras e uma dinâmica predatória, ainda do tipo de expansão de fronteira. Os assentamentos do Incra continuam sendo um vetor significativo de desmatamento.
Nos últimos oito meses, o desmatamento caiu 47% no Pará, segundo os dados por monitoramento de satélite do Imazon. O problema hoje está em outros Estados. Em Rondônia e na porção do Amazonas que lhe faz fronteira, sob a influência das hidrelétricas do Rio Madeira. No Mato Grosso, onde a dinâmica da agroindústria continua majoritariamente predatória. Em Rondônia, o desmatamento aumentou 142%, nos últimos oito meses. No Mato Grosso, aumentou 22%. Aumentou também no Acre, 53%, onde o Ministério Público Federal processou 14 frigoríficos por comprarem carne de fazendas que desmataram ilegalmente ou usaram trabalho escravo.
O programa Município Verde ainda tem poucos incentivos positivos, fora a eliminação dos obstáculos ambientais ao acesso aos mercados mais exigentes. Mas o governo estadual está estudando a possibilidade de, junto com o governo federal, criar uma cesta de incentivos fiscais e creditícios. Um deles será o ICMS verde. O outro, prioridade na regularização fundiária. Os municípios serão avaliados sistematicamente e serão classificados em diferentes níveis, de acordo com o cumprimento das metas de redução de desmatamento e grau de regularização fundiária e ambiental.
O nível 1 corresponde à entrada no programa. O nível 2, à implementação de ações que permitam atingir as metas de redução de desmatamento e degradação, o cadastramento ambiental rural das propriedades, entre outras exigências. O nível 3, requer ganhos de governança local, com criação do conselho municipal de meio ambiente, licenciamento ambiental das propriedades, cumprimento adicional das metas.
Quem não quer cumprir a lei, olha só o curto prazo. Provavelmente, já não tem acesso aos mercados de primeira linha nacionais, nem estrangeiros. Quem quer vender para as grandes cadeias, para os mercados da Europa e Estados Unidos, tem que ir além da lei. Não interessa a esses produtores que o Brasil fique marcado como um país que afrouxou a lei que protege a floresta amazônica. É como pôr um carimbo de “sujo” em seus produtos. A Amazônia, além de ser um inestimável patrimônio nacional, que pode gerar muito mais riqueza com a floresta em pé, é um ícone hoje no mundo. Protegido e valorizado, este ícone, esta marca, ajuda a vender. Destruído, fecha mercados.
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** Publicado originalmente no site Ecopolítica.