Bengasi, Líbia, 9/5/2011 – Os ataques sistemáticos do líder líbio Muammar Gadafi contra o Porto de Misurata colocam em risco a continuidade da ajuda humanitária à cidade, à qual só se pode chegar por mar. Após mais de 12 meses de cerco por terra, a situação de aproximadamente 300 mil moradores da cidade é “crítica e dramática”, insistem os dirigentes rebeldes desde Bengasi, capital da chamada “Líbia Livre” no Nordeste do país, onde a rebelião contra o regime se fortaleceu no final de fevereiro.
Misurata também se sublevou, mas os insurgentes não conseguiram assumir o controle total da cidade, a terceira do país e de importância vital por sua posição estratégica entre os dois bastiões de Gadafi, a capital, Trípoli, e Sirte, lar do coronel. No momento é a única cidade que foge ao domínio governamental no Oeste. Por isto, a batalha por seu controle é especialmente dura, e as tropas do governo lutam contra os milicianos, mas também castigam a população civil, bombardeando continuadamente as áreas habitadas e cortando os fornecimentos.
“Em Misurata falta de tudo”, afirmou à IPS a pesquisadora da Anistia Internacional Donatella Rovera. A maior parte das casas carece de água corrente e eletricidade, cortadas pelas forças de Gadafi nos primeiros dias da revolta, bem como de todo tipo de telecomunicações. Os fornecimentos não podem chegar à cidade, cercada por tropas governamentais, e as reservas começam a rarear.
As famílias sobrevivem com arroz, macarrão e enlatados. Poucas padarias funcionam, não há produtos frescos, frutas nem hortaliças, já que há algum tempo não é seguro aventurar-se pelos campos, onde estão os tanques que bombardeiam também as fábricas que forneciam alimentos à cidade.
Além disso, “faltam alimentos específicos para bebês, como leite”, disse Rovera. Dezenas de toneladas de alimentos para crianças, bem como outros bens básicos, foram entregues na semana passada pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), encarregada de evacuar os trabalhadores imigrantes, sobretudo os procedentes de países da África subsaariana, que ficaram presos em Misurata pela violência.
Esta mesma violência coloca em risco a continuidade das missões humanitárias que chega ao Porto, um dos principais objetivos dos bombardeios das forças do governo, já que é crucial para os rebeldes, que por ele recebem armas, munições e reforços procedentes de Bengasi. O Porto também é a única via por onde chegam à cidade suprimentos de todo tipo para a população civil e a única saída de refugiados e feridos que não podem receber tratamento onde estão por falta de medicamentos e pessoal de saúde.
As forças governamentais bombardeiam sistematicamente a área do Porto e intensificaram seus ataques nas últimas semanas, inclusive colocando minas em suas águas, informou a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), que se encarregou de desativá-las para garantir um acesso relativamente seguro ao Porto. Desde 27 de março, esta organização realiza bombardeios aéreos contra posições militares, tropas e instalações civis de Gadafi.
A presença de minas e os ataques com artilharia pesada fizeram com que um navio fretado pela OIM, o Red Star One, ficasse bloqueado na entrada do Porto por quatro dias à espera de condições seguras necessárias para entregar 180 toneladas de ajuda humanitária e retirar cerca de mil refugiados. Quando a embarcação conseguiu atracar, no dia 4, foi surpreendida por um novo ataque com mísseis Grad de longo alcance, que provocou cenas de pânico, com centenas de pessoas tentando abordar o Red Star One, que foi obrigado a zarpar rapidamente, deixando para trás vários refugiados.
Depois dessa problemática missão, a OIM suspendeu temporariamente suas operações em Misurata, disse à IPS seu porta-voz, Jean Philippe Chauzy, de Genebra. A OIM estudará as condições antes de programar outra missão para Misurata, de onde retirou mais de seis mil pessoas e entregou cerca de duas mil toneladas de ajuda. O Comitê Internacional da Cruz Vermelha também informou na semana passada que suspendia temporariamente suas operações marítimas com destino à cidade.
Desta forma, as tropas de Gadafi teriam conseguido limitar ou evitar a chegada da ajuda humanitária a Misurata, afirma o Conselho Nacional Transitório, que atua como governo dos insurgentes em Bengasi. Trípoli anunciou, no final de abril, que atacaria todo navio que tentasse entrar no Porto, “independente do motivo”. O Conselho Nacional Transitório qualificou essa decisão de violação das leis internacionais, em um comunicado no qual condena a ameaça do regime de Gadafi.
O porta-voz revolucionário, Ahmed Omar Bany, disse à imprensa internacional em Bengasi que a colocação de minas e os ataques continuados ao Porto de Misurata para evitar a chegada de ajuda humanitária podem constituir crimes de guerra. Envolverde/IPS