Uxbridge, Canadá, 16/5/2012 – A propriedade agrária e os direitos comunitários à terra não estão contemplados nos debates da próxima Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20), que acontecerá entre 20 e 22 de junho no Rio de Janeiro. Os governos parecem ignorar que estão sendo revertidas décadas de reformas sobre a concentração da terra em mãos de especuladores, bancos de investimento, fundos de pensão e outros poderosos interesses financeiros, que nos últimos anos assumiram o controle de pelo menos 200 milhões de hectares pertencentes a agricultores pobres da África, América Latina e Ásia.
Os especuladores sabem que a terra é fundamental para cobrir três necessidades vitais: alimento, água e energia. Contudo, esta temática não aparece na agenda da Rio+20. “Os camponeses perdem o controle da terra e da água pela concentração mundial da propriedade”, lamentou o hondurenho Rafael Alegría, dirigente do movimento internacional Via Campesina. Entre 80 milhões e 227 milhões de hectares, frequentemente de terras cultiváveis, acabaram em mãos privadas e corporativas nos últimos anos, segundo um estudo divulgado em abril pela Amigos da Terra Internacional.
Muitos pequenos agricultores são deslocados na América Central e cerca de 40% dos hondurenhos vivem em extrema pobreza, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), afirmou Alegría à IPS. Os acordos comerciais bilaterais permitem que os Estados Unidos vendam no mercado de Honduras, entre outros, seu milho e seu arroz altamente subsidiados, o que joga para baixo os preços e devasta a competição local, destacou.
Incapazes de subsistir, os agricultores pobres vendem suas terras, ou abandonam o campo ou, ainda, se tornam trabalhadores rurais assalariados. A resistência a este fenômeno é combatida com violência e os moradores locais são expulsos, detidos ou assassinados pela polícia e pelas forças de segurança em Honduras e em outros lugares. “As corporações controlam grandes extensões de terra onde plantam açúcar e palma para exportação”, apontou Alegría. “Para a imprensa hondurenha, sou um terrorista. Ignoram a difícil situação dos camponeses”, acrescentou.
“A monopolização de terras foi um fator essencial das guerras civis no Sudão, na Libéria e em Serra Leoa”, explicou Jeffrey Hatcher, diretor de programas globais da Iniciativa para os Direitos e Recursos (RRI), organização com sede na Grã-Bretanha. “Os direitos das populações locais são ignorados repetidas vezes e de forma trágica no que se converteu em uma expedição de compra à África”, escreveu em um comunicado à imprensa. A RRI e outras organizações têm documentados centenas de acordos pelos quais o governo entrega a investidores terras que, na realidade, pertencem às comunidades locais.
Na verdade, mais de 1,4 bilhão de hectares, incluídas selvas da África, são comunitários, mas reclamados pelas autoridades de forma arbitrária. Raramente as comunidades locais são incluídas nas negociações de compra ou arrendamento, mesmo em países onde suas terras são consideradas por lei propriedade privada, afirmaram investigadores da RRI. De fato, muitas delas ignoram a venda até que chegam as escavadeiras. John Muyiisha, agricultor de Kalangala, em Uganda, se levantou certa manhã e viu como as escavadeiras destruíam seus cultivos.
Quase dez mil dos 40 mil hectares florestados nas ilhas do Lago Victoria em frente a essa localidade foram plantados com palma, segundo estudo divulgado em abril pelo capítulo local da Amigos da Terra. O Banco Mundial forneceu milhões de dólares e ajuda técnica para lançar o projeto. “O direito à propriedade da terra é socavado apesar de sua proteção estar garantida pela Constituição ugandesa”, denunciou David Kureeba, da Amigos da Terra de Uganda.
Testemunhos da população local confirmam que perderam seu sustento e têm dificuldades para sobreviver, apesar das promessas de emprego. As terras utilizadas para a pequena agricultura e a silvicultura que protegem a vida silvestre, o patrimônio e o alimento de Uganda se converteram em monótona paisagem de palma para produção de óleo, alerta um comunicado de Kreeba.
A maioria dessas situações são apresentadas como a nova economia verde que promete alimentar as pessoas e aliviar a pobreza, destacou Devlin Kuyek, da Grain, uma organização internacional dedicada à agricultura sustentável. “Como se paliará a fome e a pobreza tirando das pessoas a terra e a água que necessitam para sobreviver?”, questionou. O Banco Mundial, a Corporação Financeira Internacional e a Organização Mundial do Comércio facilitam a concentração de terras porque lhes convém pensar que assim resolvem os problemas de desenvolvimento no sul, explicou Kuyek. “Sim, algumas pessoas conseguem emprego. Porém, perguntem aos trabalhadores rurais o que pensam de seu trabalho”, indicou.
Os documentos da Rio+20 reconhecem a necessidade de grandes mudanças no sistema mundial de produção de alimentos. Entretanto, os governos não analisam seriamente as verdadeiras alternativas ao modelo industrial vigente. No máximo, os delegados aprovarão um código de conduta voluntário como os “Princípios para o Investimento Agrícola Responsável”, do Banco Mundial. Está claro que esse tipo de medida voluntária nunca funciona em grande escala, advertiu Kuyek. “A monopolização de terras é uma injustiça fundamental. São os ricos do mundo tirando dos mais pobres”, ressaltou. Envolverde/IPS