Carachi, Paquistão, 22/10/2013 – Primeiro foi o YouTube. Agora, se o governo da província de Sindh agir ao seu modo, ficarão inabilitados Skype, WhatsApp, Viber e Tango para a população desta província do sudeste paquistanês, ao menos por três meses. Já fazendo parte do vocabulário cotidiano, aplicações como Skype oferecem serviços de chamadas telefônicas rápidas, baratas e fáceis de usar em todo o mundo, utilizando a tecnologia de Voz sobre Protocolo da Internet (VoIP).
Mas essa facilidade de se comunicar também é aproveitada pelos grupos terroristas, argumenta o governo local, do Partido Popular do Paquistão. Segundo a Autoridade de Telecomunicações do Paquistão, este país tem 30 milhões de usuários de internet, em uma população de 190 milhões de habitantes. Como 70% desses cibernautas têm menos de 30 anos, não é difícil imaginar o quanto essas aplicações são populares no Paquistão.
As organizações terroristas passaram dos telefones celulares para essas aplicações, dificultando o rastreamento pelos agentes de segurança, disse o ministro de Informação da província, Sharjeel Memon. E uma grande operação contra terroristas, extorsionários, gangues criminosas e assassinos de aluguel na cidade portuária de Carachi é o argumento para bloquear estes serviços.
Porém, nem a comunidade de internet nem as organizações de direitos humanos acreditam nessa desculpa. “É o maior golpe contra os direitos humanos e as liberdades civis”, disse à IPS o ativista Furhan Hussain, coordenador da Bytes for All (B4A), com sede em Islamabad. Segundo Hussain, trata-se de uma desesperada tentativa do governo para evitar a responsabilidade de não poder controlar a criminalidade que apela para tecnologias avançadas.
No dia 17 de setembro do ano passado, o governo paquistanês bloqueou o acesso público à rede YouTube, que permite compartilhar vídeos, argumentando que havia transmitido a publicidade de um filme que incluía conteúdo blasfemo contra o profeta Maomé e os muçulmanos. O governo fez várias tentativas de bloquear apenas esse conteúdo em particular, mas acabou inabilitando todo o site. A proibição, que deveria durar um ano, ainda persiste.
“Não há limite ao controle do governo, pois também começou a bloquear serviços de telefonia celular durante várias horas”, disse Mohammad Nawaz, fabricante de chapas onduladas em Lahore. Certo dia, seu sobrinho se feriu gravemente e as mulheres que estavam na casa não puderam se comunicar com os homens da família ou chamar uma ambulância porque os celulares não funcionavam, recordou. As autoridades garantem que bloqueiam os serviços móveis só quando recebem informes confirmados de que terroristas estão usando telefone celular como detonador em atentados com explosivos.
Manzar Abbas, especialista em segurança e ex-diretor de Autoridade Nacional Contra o Terrorismo, afirmou que, como a carga das novas baterias desses telefones dura mais, os terroristas podem colocar com muita antecipação os celulares presos aos explosivos em pontos específicos. “As suspensões (do serviço de telefonia) são problemáticas, mas justificada”, argumentou Abbas à IPS. E quanto ao aspecto legal? Por acaso a lei permite esse tipo de decisão ou seria arbitrária?
Segundo o advogado Hafiz Shahid, radicado em Lahore, a lei de reorganização das telecomunicações do Paquistão permite, desde 1996, suspender os serviços de comunicação se for considerado que constituem um risco para a segurança nacional. Shahid afirmou à IPS que o Artigo 19 da Constituição estabelece a liberdade de expressão individual, mas “sujeita a qualquer restrição razoável imposta por lei pelo interesse da glória do Islã ou da integridade, da segurança ou da defesa do Paquistão, da ordem pública, da decência ou da moral, em relação a desacato ao tribunal ou incitação de um crime”.
O ativista Hussain, da B4A, não aceita esse argumento. “Todos os países têm suas prioridades. Por que a maior parte do tempo a espada da censura cai sobre nossas cabeças?”, perguntou. A organização trava uma batalha contra a censura na internet. Em janeiro, apresentou uma petição ao Alto Tribunal de Lahore contra o bloqueio do Youtube, argumentando que é ilegal, inconstitucional e viola as obrigações do Paquistão sob o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos. No mesmo tribunal, a organização processa a decisão do governo de instalar programas de vigilância e de bloqueio de endereços de internet.
O último plano para bloquear os serviços de telefonia via internet está limitado à província de Sindh. “Isso é muito discriminatório”, afirmou Mohammad Asim, profissional do mercadologia que vive em Carachi, centro financeiro do país. Ele usa Skype para participar de conferências virtuais com pessoas que estão em diferentes partes do planeta, e para chegar a potenciais clientes. “Meus competidores de outras províncias e outros países definitivamente terão uma vantagem decisiva sobre mim, se esses serviços forem bloqueados”, pontuou à IPS
Fouad Bajwa, pesquisador sobre direitos na internet e assessor de políticas públicas sobre a internet, também condena as políticas restritivas do governo. A censura na internet pode ir desde os pais que controlam o que seus filhos veem na web até governos, empresas e instituições acadêmicas que vigiam os e-mails de seus acionistas e a informação digital que compartilham, destacou.
As autoridades policiais e judiciais que pedem informação aos provedores de serviços da internet ou de conteúdos, e inclusive confiscam computadores de residências particulares em busca de evidências de atividades ilegais, usam a mesma justificativa. “Nunca se diz quais são essas atividades indesejáveis, porque isso se converte em uma questão política”, afirmou Bajwa à IPS. No momento, Sindh precisa que o governo federal aprove a proibição de serviços de telefonia por VoIP na província e ordena à Autoridade de Telecomunicações do Paquistão que a aplique.
Como o governo federal está nas mãos da rival Liga Muçulmana do Paquistão (Nawaz), esse pode se sentir forçado a concordar para evitar que o culpem de não enfrentar o terrorismo e o crime organizado. “Agora é crucial elevar uma voz pela proteção do direito dos cidadãos à expressão e à informação”, enfatizou Bajwa. “É necessário convencer o governo de que a população também deve ser parte dessas decisões”, acrescentou. Envolverde/IPS