Após o trágico acidente nuclear na central japonesa de Fukushima, com considerável vazamento de material radioativo, o mundo rediscute os projetos de novas usinas nucleares, e o que fazer com as já existentes. No Brasil, o governo federal age no sentido oposto.
[media-credit name=”Casso” align=”alignright” width=”209″][/media-credit]Defensores das usinas nucleares se contradizem, apelando que o momento é de cautela, e que o governo vai analisar a entrada de projetos de energia nuclear na discussão do Plano Nacional Energético 2035. Ao mesmo tempo, defende, a qualquer custo, que o país não abandone os projetos nucleares com o argumento de não ficar defasado nesta tecnologia no futuro, e que a construção de Angra 3 vai continuar, sem alteração do seu cronograma.
Esta nova posição (estratégia?) pode ser considerada mais moderada, se comparar com as declarações do ministro de Minas e Energia, que chegou a anunciar publicamente que o país teria dezenas de usinas nucleares (cerca de 50), até 2050.
De fato, ocorre que mensagens estão sendo enviadas à sociedade pelo lobby nuclear, no sentido de apontar certo recuo e bom senso, tendo em vista a grandiosidade e as reais consequências do acidente nuclear ocorrido no Japão, com enormes prejuízos econômicos, sociais, ambientais. O objetivo é amenizar e mesmo tentar calar o movimento antinuclear que se organiza e cresce em todo o território nacional, se opondo à instalação de novas usinas, defendendo o fechamento das já existentes e a interrupção da construção de Angra 3.
Enquanto ocorrem estas declarações de técnicos funcionários públicos e representantes da indústria nuclear, permanecem as propostas contidas no Plano Nacional de Energia, e definidas pelo Conselho Nacional de Política Energética, composto por apenas dez membros. Os dirigentes deste setor continuam priorizando a energia nuclear como fonte energética. Desconsideram todas as potencialidades e vantagens das fontes renováveis de energias abundantes no país, ao não aprovar o Projeto de Lei – PL 630/2003, denominado “Lei das Renováveis”, adormecido nas gavetas do Congresso Nacional. Também pouco se investe na conservação de energia, bastando verificar os orçamentos destinados para o Programa de Conservação de Energia Elétrica (Procel) e suas metas pífias.
O discurso oficial atual é para amainar amplos setores da sociedade contrários ao uso da energia nuclear para produção de eletricidade. Enquanto na prática deixa claro que sua política energética prioriza as mega-hidrelétricas na região Amazônica, as termoelétricas (com combustíveis fósseis), além das usinas nucleares. Prova cabal desta conduta foi a aprovação pelo BNDES, nos últimos dias de dezembro de 2010, de um financiamento de R$ 6,1 bilhões para a Eletrobrás Termonuclear S/A construir Angra 3. Este valor corresponde a 55% do investimento total.
Enquanto o Banco abre “as burras” para o setor nuclear, acaba de divulgar, na véspera da festa junina de São João, a criação de um fundo de investimento de R$ 150 milhões, voltado exclusivamente a empresas que desenvolvem projetos de tecnologias “limpas” e estão em estágio nascente ou inicial de atividades. Ou seja, uma soma 40 vezes inferior à que foi destinada ao setor nuclear.
Também recentemente (25/5/2011), o Congresso Nacional aprovou a Medida Provisória (MP) 517/2010 editada no final do ano passado, nos últimos dias do mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que concedeu incentivos fiscais a áreas consideradas estratégicas pelo governo federal, como infraestrutura, além de tratar de outros assuntos ligados ao setor elétrico.
Um dos assuntos que fez parte do texto da MP foi a criação do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento de Usinas Nucleares (Renuclear), concedendo isenção de impostos para usinas atômicas. Segundo a Eletrobrás Eletronuclear, o regime reduzirá em R$ 700 milhões o custo de Angra 3 – orçada em R$ 9,9 bilhões. Portanto é o Tesouro Nacional, ou seja, nós os cidadãos e cidadãs que pagamos impostos, que continuamos financiando, por meio do BNDES e da isenção de impostos, a usina nuclear Angra 3 e o Programa Nuclear.
Logo, a estratégia do governo é clara: enquanto a “poeira radioativa” da catástrofe de Fukushima não assenta e não sai do foco da mídia nacional e internacional, atua no sentido de realizar um grande esforço de convencimento da população de que ele tem cautela quanto aos destinos do projeto nuclear no Brasil. Mas nos bastidores continua priorizando esta tecnologia. Por quê? Sabe lá os motivos. Talvez tenhamos uma resposta perguntando ao “bispo de Itu”, pois os defensores das usinas nucleares continuam “enrolando” a sociedade.
* Heitor Scalambrini Costa é professor da Universidade Federal de Pernambuco.