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Morrer no parto é uma tendência no Zimbábue

O Zimbábue luta para frear as mortes causadas pela maternidade. Foto: Jeffrey Moyo/IPS
O Zimbábue luta para frear as mortes causadas pela maternidade. Foto: Jeffrey Moyo/IPS

 

Harare, Zimbábue, 5/2/2015 – O transporte em maca de suas três esposas grávidas para darem à luz em uma clínica local se converteu em rotina ao longo dos anos para Albert Mangwendere, de 47 anos e morador em Mutoko, localidade 143 quilômetros a leste de Harare, capital do Zimbábue. Mas essa rotina nem sempre foi uma fonte de alegria. “Nos últimos 20 anos transportei minhas esposas grávidas em maca porque não tenho uma carreta grande. No total perdemos 12 bebês durante as viagens até a clínica”, contou à IPS.

Seu caso representa a crescente crise de maternidade que sofre esse país da África austral de 13,5 milhões de habitantes. Calcula-se que três mil mulheres morrem a cada ano neste país durante o parto e que pelo menos 1,23% do produto interno bruto (PIB) se perde anualmente devido a complicações na saúde materna, segundo o estudo A Mortalidade Materna no Zimbábue, publicado pela representação local da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2013.

O estudo acrescenta que as mortes maternas aumentaram 28% entre 1990 e 2010, principalmente devido a infecções bacterianas, rompimento do útero, insuficiência renal e cardíaca, bem como hiperêmese gravídica, uma condição caracterizada por náuseas, vômitos e perda de peso durante a gravidez.

Este ano o governo destinou US$ 301 milhões ao setor da saúde, segundo o jornal Newsday. “Isso significa que o governo tem a intenção de gastar, em média, pouco mais de US$ 22 por pessoa este ano. Compare isto com os US$ 650 da África do Sul, os US$ 390 de Botsuana e os US$ 200 de Angola”, acrescentou o jornal.

Além do insuficiente sistema de transporte público, também existe o problema das tarifas cobradas das grávidas nos centros de saúde, afirmam organizações ativistas. “Em 2012, o governo elaborou e adotou uma política para eliminar as tarifas dos serviços por maternidade”, disse à IPS a diretora da Rede de Ação Diálogo da Juventude, Catherine Mukwapati.

Mas, apesar dessa política, alguns centros continuam cobrando tarifas por serviços indiretos, o que afugenta muitas grávidas dos hospitais e das clínicas e as deixa nas mãos das parteiras de menor qualificação”, acrescentou.

“As clínicas não têm outra saída que não seja cobrar US$ 25” pelos serviços de “maternidade, já que não recebem dinheiro do governo, afirmou o diretor dos serviços sanitários de Harare, Stanley Mungofa. O custo real da prestação dos serviços de maternidade nas clínicas chega a US$ 152, acrescentou. Nos hospitais públicos, como o de Parirenyatwa, em Harare, o custo de um parto normal é de US$ 150, enquanto a cesariana sai por US$ 450.

Chipo Shumba, de 28 anos, com sua filha única. A jovem perdeu mais seis filhos ao dar à luz. Foto: Jeffrey Moyo/IPS
Chipo Shumba, de 28 anos, com sua filha única. A jovem perdeu mais seis filhos ao dar à luz. Foto: Jeffrey Moyo/IPS

Em uma tentativa de reduzir os altos custos de maternidade de hospitais e clínicas públicas, um grupo de doadores prometeu US$ 435 milhões para o sistema de saúde no período 2011-2015. O denominado Fundo de Transição da Saúde foi dirigido pelo Ministério da Saúde e administrado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Este fundo ajuda a reter o pessoal qualificado ao aumentar os salários mais baixos. Os médicos mal remunerados constituem uma grande parte da “fuga de cérebros” do país, que atualmente conta com apenas 1,6 médico para cada dez mil pessoas.

No âmbito rural, onde vivem Mangwendere e suas esposas, não são cobradas tarifas, mas há outros obstáculos que se tornam insuperáveis para conseguir atendimento. As clínicas e os hospitais costumam estar longe dos que precisam de assistência, uma das principais causas das mortes por maternidade.

Por fim, a corrupção sistêmica também afeta os sistemas de atenção sanitária. A organização não governamental Transparência Internacional, com sede em Berlim, denunciou que um hospital do Zimbábue cobrava das futuras mães US$ 5 cada vez que gritavam para dar à luz. Em seu informe de 2013 sobre a corrupção mundial, esta organização indica que 62% dos zimbabuenses informaram ter pago suborno no ano anterior.

O setor da saúde do Zimbábue foi um dos melhores da África subsaariana na década de 1980, mas quase desmoronou quando a crise econômica provocou a hiperinflação de mais de 230.000.000% em 2008. Nos anos seguintes, o subinvestimento crônico agravou a situação.

A mortalidade materna cresce apesar de o quinto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) estipular que até o final deste ano os países devem reduzir suas taxas de mortalidade materna em 75%, com relação aos níveis de 1990. Um informe de 2012 sobre a situação do cumprimento dos ODM no Zimbábue evidenciou que é pouco provável que o país alcance sua meta de reduzir a taxa de mortes maternas para 174 para cada cem mil nascidos vivos.

Na pesquisa realizada em 2013 para abordar os motivos das mortes maternas, o Ministério de Saúde e Cuidado Infantil disse que as principais causas são sangramento excessivo depois do parto e abortos inseguros, embora não fornecesse a informação correspondente.

“As estatísticas sobre as mortes maternas costumam excluir a triste realidade de mortes semelhantes em áreas remotas inacessíveis, onde as grávidas e as crianças morrem diariamente sem que esses casos tenham algum registro”, denunciou Helen Watungwa, parteira em uma clínica de Gweru, capital da província de Midlands, a 222 quilômetros de Harare. “Em todo caso, com os limitados recursos que temos como enfermeiras, fazemos todo o possível para salvar as vidas de mães e bebês”, contou à IPS.

“É realmente um milagre podermos sobreviver a uma série de gravidezes enquanto lutamos para dar à luz, com frequência a caminho da clínica, sangrando abundantemente e sem nenhum especialista que nos assista, apenas com nosso marido que nos leva em uma maca”, afirmou Mavis Handa, de 28 anos, uma das esposas de Mangwendere. Envolverde/IPS