Kano, Nigéria, 6/1/2012 – A Nigéria, maior produtora de petróleo da África, está em grave risco de cair em um enfrentamento armado interno aberto, com os muçulmanos, majoritários no norte do país, de um lado, e os cristãos do sul, por outro. “Os últimos ataques de Natal podem desatar uma represália contra os muçulmanos”, disse à IPS, por telefone, o presidente do Congresso de Direitos Civis da Nigéria, Shehu Sani.
A Boko Haram, uma organização islâmica inspirada no movimento afegão Talibã, assumiu a responsabilidade por uma série de atentados suicidas cometidos no ano passado contra edifícios da Organização das Nações Unidas (ONU), objetivos policiais e templos cristãos. Esse grupo armado “quer ganhar a simpatia de uma quantidade maior de muçulmanos, argumentando que os ataques foram em vingança pelos cometidos por cristãos em Jos durante as orações de Eid ul-Fitr de 29 de agosto de 2011, para piorar os confrontos” entre as duas comunidades, afirmou Sani. Desta forma, a Boko Haram lançou no dia 2 um ultimato de três dias para que os cristãos do norte abandonassem a região.
O último informe da organização não governamental Human Rights Watch (HRW), divulgado no dia 8 de novembro, afirmou que morreram 425 pessoas nos ataques da Boko Haram. Não há estatísticas mais recentes, mas estima-se que o número de mortos chegou a 500 no final do ano. O grupo assumiu os atentados com bomba contra igrejas de Abuya e nas cidades de Jos e Damaturu, no norte do país, no Natal, que deixaram 40 mortos e 50 feridos, segundo a polícia.
O país tem quase a mesma quantidade de cristãos e de muçulmanos, mas os primeiros são maioria no sul com abundantes recursos petroleiros. Governo e instituições religiosas tentam acalmar os ânimos dos dois lados. “Somos totalmente contra o que ocorre e condenamos terminantemente”, afirmou o sultão Abubakar Saad, principal líder espiritual da Nigéria, após se reunir, em 27 de dezembro, com o presidente Goodluck Jonathan e com o assessor em segurança nacional, Andrew Azazi. “Ninguém pode tirar a vida de ninguém, atenta contra o Islã e contra Deus. Todas as vidas são sagradas, devem ser respeitadas e protegidas por todos”, acrescentou.
Em uma reunião à parte com o presidente, líderes cristãos alertaram que, se o governo federal não assumir um papel mais ativo em matéria de segurança, terão que assumir sua própria defesa. “O consenso é que a comunidade cristã do país não terá mais opção que não seja responder como corresponde se continuarem os ataques contra nossos membros”, disse o presidente da Associação Cristão da Nigéria, pastor Ayo Oritsejafor.
A comunidade internacional condenou os atentados do Natal, e o governo prometeu adotar um novo enfoque para acabar com a insurgência da Boko Haram. “Vamos adotar uma nova estratégia para lutar contra a Boko Haram, asseguro aos nigerianos um compromisso total”, disse o ministro do Interior, Abba Moro, na aldeia de Madala, a poucos quilômetros de Abuya, onde morreram 35 pessoas na Igreja Católica de Santa Teresa, no dia 25 de dezembro.
O governo declarou estado de emergência em algumas partes dos quatro Estados atingidos por bombas e atentados suicidas: Borno, Yobe, Plateau e Níger. Horas depois de anunciada essa medida, os enfrentamentos entre grupos étnicos rivais, ezillo e ezza, do sul cristão, deixaram 66 mortos, incluindo mulheres e crianças.
A Boko Haram, que significa “educação ocidental é pecado” em árabe, luta para implantar sua rígida interpretação da shariá, a lei islâmica, neste país, o mais povoado da África. Criada em 2002, a autoproclamada seita muçulmana ficou conhecida em nível internacional em 2009, quando começou uma ofensiva militar contra seus membros em Maiduguri, capital de Borno, na fronteira com Chade, Camarões e Nigéria. Morreram vários membros da organização, entre eles seu líder Mohammad Yusuf, que faleceu quando estava sob custódia policial.
Contudo, se reagruparam e lançaram vários ataques e atentados suicidas no norte da Nigéria. A organização assumiu o atentado com carro-bomba de agosto do ano passado contra a sede das Nações Unidas na capital, que deixou 26 mortos, e o ataque suicida de junho contra a chefatura de polícia, também em Abuya, com oito mortes. A pior série de atentados suicidas e ataques atribuídos à Boko Haram foi cometida na cidade de Damaturu, no norte, no dia 4 de novembro, com mais de 150 mortos, segundo Sani.
Especialistas em segurança do Ocidente dizem que qualquer vínculo com a rede Al Qaeda no Magreb Islâmico pode fazer com que a Boko Haram se converta em uma poderosa ameaça, especialmente para a indústria petroleira da Nigéria. O vice-chanceler nigeriano, Abdelkader Messahel, disse à imprensa: “Não temos dúvidas de que existe uma coordenação entre a Boko Haram e a Al Qaeda. A forma como opera e os informes de inteligência revelam essa cooperação”. A Argélia tem a maior operação de inteligência sobre a Al Qaeda da região.
O porta-voz da organização, Abu Qaqa, ou pelo menos quem falou em seu nome todo o ano passado, disse que a Boko Haram e a Al Qaeda lutam pelo mesmo objetivo. “Temos vínculos com a Al Qaeda e outras organizações da jihad islâmica, e nos ajudamos mutuamente”, disse à imprensa por telefone.
O chanceler da França, Alain Juppé, afirmou que seu país se associará à Nigéria na luta contra o terrorismo oferecendo capacitação técnica para agentes de segurança e compartilhando informação de inteligência. “Se a Nigéria aceitar a ajuda francesa, fortalecerá sua luta contra a Boko Haram”, disse Juppé ao governador de Kano, Musa Kwankwaso, quando visitou esta cidade.
Se realmente existirem vínculos entre os islâmicos da Nigéria e a Al Qaeda, a capacidade da Boko Hram e sua área de operações se ampliarão e fortalecerão, alertou Sani. Para ele, a insurgência islâmica no norte também assumiu os atentados contra instituições bancárias. “As atacam para financiar suas atividades”, acrescentou.
Ladrões comuns e da Boko Haram roubaram mais de cem instituições bancárias em 2011, segundo o Banco Central da Nigéria. Os incessantes roubos a bancos, atentados suicidas e ataques contra igrejas e delegacias, cometidos por supostos membros da Boko Haram, afugentam os investidores deste país de 167 milhões de habitantes.
“É um mau sinal para a economia nigeriana, a vida e a propriedade não estarem garantidas”, disse à IPS o economista Shuaibu Idris Mikati. “Ninguém investirá neste país com problemas de segurança. Tampouco é bom para o turismo. Todos irão nervosos ao banco”, disse Mikati, um banqueiro travestido de guru dos negócios. Envolverde/IPS