Mudança climática desafia bonança da Etiópia

A Etiópia tem cerca de 780 milhões de pequenos agricultores, muitos deles cultivam produtos como grãos ou café em quantidades apenas suficientes para manter suas famílias, como em Lalibera, na região de Amhara. A mudança climática terá inevitavelmente um impacto na vida das pessoas. Foto: James Hassam/IPS
A Etiópia tem cerca de 780 milhões de pequenos agricultores, muitos deles cultivam produtos como grãos ou café em quantidades apenas suficientes para manter suas famílias, como em Lalibera, na região de Amhara. A mudança climática terá inevitavelmente um impacto na vida das pessoas. Foto: James Hassam/IPS

 

Adis Abeba, Etiópia, 24/10/2014 – A Etiópia costuma ser considerada um êxito africano em matéria de crescimento econômico, ao alcançar 7% ao ano, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI). Mas aumenta a preocupação de que a mudança climática poderá balançar essa bonança. Vários especialistas reunidos nesta cidade, capital etíope, para uma conferência da Organização das Nações Unidas (ONU) divulgaram uma mensagem clara: os impactos do aquecimento global, o aumento das temperaturas e os eventos climáticos extremos serão sentidos tão fortes na África como em qualquer lugar do mundo.

Há 18 meses, mais de 800 cientistas especializados em clima elaboraram o Quinto Informe de Avaliação, do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre a Mudança Climática (IPCC). O documento, cuja quarta e última parte será divulgada em novembro, é a avaliação mais integral e exaustiva já feita sobre como a mudança climática afeta nosso planeta, segundo o IPCC. Suas conclusões são inequívocas; a mudança climática é real e há mais provas do que nunca de que as atividades humanas a incentivam. Segundo o IPCC, na Etiópia a mudança climática terá inevitavelmente um impacto na vida da população.

Katie Mach, especialista em clima da Universidade de Stanford e uma das autoras do informe, fez uma clara avaliação dos impactos do fenômeno no segundo país mais povoado da África. Esse fenômeno “aumentará os riscos associados com os extremos, como muito calor, fortes chuvas e secas. Também dificultará a redução da pobreza e diminuirá a segurança alimentar”, detalhou à IPS.

O IPCC afirmou que as consequências econômicas da mudança climática serão mais severas nos países em desenvolvimento. Isso porque as economias das nações pobres têm menos possibilidades de se adaptarem às mudanças que afetam a indústria e o emprego.

A maioria dos 90 milhões de habitantes da Etiópia depende da agricultura para sobreviver. Este país tem cerca de 70 milhões de pequenos agricultores, muitos deles cultivando apenas variedades básicas, como café e grãos, em quantidades suficientes somente para a sobrevivência de suas famílias. Esses produtores são os mais vulneráveis às consequências da mudança climática, especialmente se a elevação da temperatura prejudicar cultivos como o café.

“O valor do café é de aproximadamente US$ 800 milhões e, segundo o plano de crescimento do governo, aumentará para US$ 1,6 bilhão até 2025”, indicou à IPS Adam Ward, representante neste país do Instituto Global de Crescimento Verde. O governo da Etiópia estabeleceu um plano de Economia Verde Resistente ao Clima, com um fundo que já reuniu US$ 25 milhões, graças ao Departamento de Desenvolvimento Internacional da Grã-Bretanha, bem como outros US$ 10 milhões entregues pela Noruega.

“Estamos em um extremo dos impactos da mudança climática, estamos diante da possível destruição do café: cerca de US$ 1,6 bilhão perdidos se ocorrerem as consequências mais graves deste fenômeno”, disse Ward. Para os governos, a pedido dos quais o IPCC elaborou o informe de avaliação, a pergunta já não é “a mudança climática acontece?”, mas “o que podemos fazer a respeito?”, acrescentou.

O informe apresenta várias opções para as autoridades, desde nada fazer, isto é, continuar fazendo como se nada esteja acontecendo, passando por medidas agressivas diante da mudança climática, até medidas urgentes e rápidas para reduzir as emissões de dióxido de carbono.

A Etiópia avança na direção certa, mas tem grandes desafios pela frente. A estratégia contra a mudança climática exige um gasto anual de US$ 7,5 bilhões para reverter seus efeitos, mas os fundos disponíveis estão muito abaixo dessa quantia. Segundo o Overseas Development Institute (ODI), o governo só pode assumir US$ 440 milhões por ano.

Isso é algo que a Etiópia tem em comum com outros países da África oriental. Na Tanzânia, são necessários US$ 650 milhões para atender a mudança climática, mas se gasta cerca de US$ 383 milhões. Em Uganda, a política climática do país exige anualmente US$ 258 milhões, mas o gasto atual chega a US$ 25 milhões ao ano, segundo o ODI.

O IPCC acredita que a Etiópia tem possibilidade de proteger seus cidadãos dos efeitos mais danosos da mudança climática, em geral adaptando-se às mudanças que já estão ocorrendo. “Um ponto de partida importante é reduzir a vulnerabilidade ao clima atual, aprendendo com nossas experiências com calor extremo, fortes chuvas e secas”, ressaltou Mach.

Esse é um processo que já está em marcha na Etiópia, segundo a Agência de Transformação Agrícola, órgão estatal criado para ajudar a agricultura a ser mais resistente à variabilidade climática.

“A mudança climática e o consequente aumento na frequência e intensidade de eventos climáticos extremos derivaram em alterações visíveis nos ciclos dos cultivos da Etiópia e em um aumento significativo dos riscos relacionados com a produção agrícola, deixando vulneráveis os pequenos agricultores”, destacou à IPS o diretor de clima e meio ambiente da Agência de Transformação Agrícola, Wagayehu Bekele.

“A mudança climática não corre apenas o risco de agravar o problema da segurança alimentar, dos que dependem direta ou indiretamente da agricultura, mas também pressiona sobre o desenvolvimento econômico, pois a agricultura é a base do desenvolvimento econômico do país”, pontuou Bekele.

A mensagem do IPCC é clara: esse é um problema real e com o qual os países africanos terão que lidar. Como farão e quem assumirá os custos fica nas mãos dos políticos. Envolverde/IPS