Maputo, Moçambique, 19/8/2011 – Muito depois do pôr do sol, Angelina Jossefa continua retirando mato do terreno que tem na periferia da capital moçambicana. A maioria das alfaces, cenouras e beterrabas morreram no inverno, o obrigando a que ela trabalhasse muito mais para alimentar seus três filhos. “Este foi um ano difícil por causa do frio”, disse Angelina, que é mãe solteira. “Fez muito frio”, ressaltou, enquanto colhia algumas alfaces. Moçambique costuma se caracterizar pelo calor e pelas inundações, mas, este ano, as comparativamente escassas chuvas e o duro inverno dificultaram a vida de agricultores de subsistência, 80% da população deste país.
“Não aumentou o número de dias frios, mas as temperaturas mínimas foram as mais baixas em 50 anos”, disse Sergio Buque, especialista em clima do Instituto Nacional de Meteorologia. A menor temperatura, de 7,4 graus, foi registrada em 1958. Em junho passado, o termômetro marcou 5,1 graus. “É um novo recorde”, afirmou. Além disso, as chuvas nesta temporada foram extremamente baixas, apesar das previsões indicando que seriam acima da média.
“A estação das chuvas não é mais normal”, disse Dulce Chilundo, diretor do Centro Nacional de Operações de Emergência de Moçambique. “É o aquecimento global”, afirmou. Este país sofreu, em 2000, inundações devastadoras. A temporada de chuvas costuma ir de outubro a fevereiro, mas naquele ano não choveu muito. “Não começou em outubro. Em novembro choveu muito, e depois nada”, disse Dulce.
“Há anos chovia duas ou três vezes por mês. Agora passam quatro ou cinco meses sem cair uma gota”, afirmou Angelina, referindo-se à água que recebeu seu terreno de 1,21 hectares, que cultiva, junto com sua mãe, sua tia e uma cunhada, há 29 anos. As três são solteiras com filhos. Angelina, de 41 anos, se preocupa com a sorte de seus filhos quando o dinheiro acabar. “Não é suficiente porque dois estudam. Consigo pagar o transporte e os gastos da casa, mas é pouco”, lamentou.
Muitas pessoas pobres protestaram em várias cidades de Moçambique, em setembro do ano passado, contra o alto preço dos alimentos. Mas os milhões de pequenos agricultores dispersos pelo vasto país não têm possibilidade de se expressar, apesar de fatores que fogem ao seu controle colocarem em perigo sua produção.
Há mais de oito milhões de desnutridos em Moçambique, segundo à Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). “Creio que a mudança supera a possibilidade de controle local”, disse Lola Castro, diretora do Programa Mundial de Alimentação (PMA) e chefe da equipe de ajuda humanitária da Organização das Nações Unidas (ONU). Os mais velhos nos dizem que é difícil saber quando plantar, quando colher e quando vai chover. Definitivamente, existe uma mudança”, alertou Lola.
Uma forma de contornar a situação é utilizar sementes em função das características climáticas, afirmam especialistas em desenvolvimento. O risco de inundações é alto porque os agricultores cultivam em planícies que alagam. “É impossível impedir as pessoas de plantarem em zonas baixas. É a área fértil”, explicou Lola. As autoridades incentivam os agricultores a usar sementes mais fortes, que sobrevivem em zonas altas e mais secas, como mandioca, sorgo e milho.
Outra possibilidade é utilizar sementes com ciclos de gestação menores para conseguir uma colheita rápida e fazer quase tudo em uma temporada, sugeriu Sergio. “Ciclos de 125 dias são muito extensos. Deveríamos começar a desenvolver sementes de 90 dias para capitalizar a estação chuvosa”, acrescentou. Estas soluções podem ser a diferença entre a vida e a morte para milhões de moçambicanos. Contudo, mudar tradições ancestrais que passaram de geração a geração é, sem dúvida, uma tarefa diferente. Envolverde/IPS