Existe um consenso difuso sobre a existência, e a gravidade, de mudanças climáticas em andamento em nosso planeta. Mas está difícil de dimensioná-las com precisão, e de identificar suas verdadeiras causas. Ao lado de certezas evidentes, devemos reconhecer que existe um amplo campo de averiguações a serem efetivadas.
De modo semelhante, no campo da política. Existe um amplo consenso de que assim já não dá mais. Há um consenso genérico da urgência de mudanças a efetivar na política. Mas está difícil de identificar as propostas concretas, e definir sua formulação.
Desta vez, intuímos que os próprios instrumentos tradicionais do sistema democrático, com o esquema de partidos, eleições, delegação de poderes ao legislativo, executivo e judiciário, tudo isto está bastante desgastado, numa espécie de esclerose dos instrumentos da democracia.
O sintoma mais evidente deste esgotamento da democracia se escancara no fenômeno de manifestações populares que vão se tornando cada vez mais frequentes. As verificadas recentemente nos países árabes, de início pareciam se reduzir à irrupção de descontentamentos sufocados por velhos regimes ditatoriais. Mas sua persistência e seu alastramento para outros países, como se verificou recentemente na Espanha, mostram que não são meramente episódicas.
A intensidade dos protestos e a insistência em expressar um difuso descontentamento apontam para a necessidade de mudanças mais profundas em todo sistema democrático. Parece que a praça volta ser palco das decisões políticas.
Olhando a realidade brasileira, não é difícil identificar um leque de mudanças que as instâncias tradicionais não estão conseguindo dar conta de maneira adequada.
Precisamos realizar a reforma política, a reforma tributária, a reforma previdenciária, e precisamos aprimorar o Código Florestal, aprovado pela Câmara Federal e submetido agora à apreciação do Senado.
A tramitação do Código Florestal serve de amostra da crise de confiabilidade que afeta nosso sistema democrático. Como está difícil de levar adiante um debate sereno e sem radicalizações, em torno de um assunto de evidente interesse de todos.
Sobre este assunto precisaríamos chegar a uma clareza muito maior das implicações dos itens que foram votados, identificar onde estão os pontos nevrálgicos de um Código Florestal que seja adequado à grande diversidade de situações existentes no Brasil, em especial a floresta amazônica com sua necessária peculiaridade, que não pode servir de padrão para os outros biomas existentes no país. Precisaríamos chegar a consensos sobre o que o Senado deveria modificar, e que pontos eventualmente precisariam ser levados a um referendo popular.
No que se refere à reforma política, talvez fosse o caso de identificar por onde começar um processo, que possa ir desencadeando depois outras mudanças. Este núcleo inicial precisaria ser bem identificado, para o caso de se partir para uma iniciativa popular de lei, para que as primeiras mudanças tenham consistência e inspirem credibilidade para todo o processo.
Para desencadear uma reforma tributária, seria necessário identificar mudanças que ao mesmo tempo incentivem a produção, equalizem os compromissos sociais e se tornem instrumento para uma justa e eficaz distribuição de renda.
Em todo o caso, está na hora de sentir a convocação para entrarmos em campo, para oxigenar a democracia e superar a esclerose dos seus instrumentos tradicionais.
* D. Demétrio Valentini é bispo de Jales, no Estado de São Paulo.
** Publicado originalmente no site Correio da Cidadania.