Além da perda de salinidade, variações podem alterar biodiversidade marinha, permitindo migrações e desequilibrando a cadeia alimentar.
Imagine encontrar espécies marinhas de águas quentes em mares gelados e vice-versa. Essas confusões ecológicas podem parecer impossíveis, mas de acordo com uma nova análise internacional, poderão ocorrer nos próximos cem anos. E as geradoras dessas alterações são, mais uma vez, as mudanças climáticas.
O novo estudo, liderado pela Pesquisa de Mudanças Climáticas e Ecossistemas Marinhos Europeus (CLAMER) e desenvolvido por 17 institutos marinhos de dez países, afirma que novas descobertas feitas no Mar Báltico demonstram que as alterações climáticas vão levar a uma maior precipitação no local, o que tornará a água menos salgada, e também vão derreter mais depressa o gelo Ártico, aumentando a passagem entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
“Devido ao aquecimento global, prevê-se que haverá um aumento na precipitação das bacias hidrográficas que fluem para o Mar Báltico. Como resultado – porque é um mar cercado com uma saída muito estreita – o mar se tornará mais fresco. Prevemos que isso acontecerá nos próximos cem anos”, explicou Chris Reid, professor do Instituto Marinho da Universidade de Plymouth.
O professor esclareceu também que, aparentemente, “pela primeira vez em provavelmente milhares de anos uma área enorme de água do mar foi aberta entre o Alaska e o oeste da Groenlândia, permitindo uma enorme transferência de água e espécies entre os dois oceanos. As implicações são enormes. A última vez que houve uma incursão […] do Pacífico para o Atlântico foi entre dois e três milhões de anos atrás”.
Para os cientistas da Fundação Sir Alister Hardy para Ciências Oceânicas, caso isso aconteça novamente, “tal mudança geográfica poderia transformar a biodiversidade e o funcionamento dos ecossistemas marinhos do Ártico e do Atlântico Norte”. “Se o Ártico continuar a derreter mais espécies poderão passar; então veremos mudanças enormes acontecerem no Atlântico Norte”, salientou Reid.
“Haveria um aumento na competição. Por exemplo, há cerca de seis espécies de salmão diferentes no Pacífico, mas apenas uma no Atlântico. A quantidade atual de salmão no Atlântico está em uma situação séria, então qualquer coisa que vá exacerbar isso será um problema real”, continuou o professor.
De fato, algumas dessas conseqüências já estão sendo observadas pelos pesquisadores no Atlântico. Uma espécie de plâncton, por exemplo, que havia desaparecido da região há 800 mil anos, e que agora só vivia no Pacífico, foi novamente encontrada no Atlântico depois da abertura da passagem entre os dois oceanos.
Outro caso semelhante, reportado em 2010, indicou pela primeira vez em três séculos a presença de uma baleia-cinzenta do Pacífico no Mar Mediterrâneo. Os pesquisadores acreditam que o animal tenha chegado até o mar através da passagem no Atlântico Norte.
“As migrações são um exemplo de como as alterações das condições climáticas causam a mudança de lugar ou de comportamento das espécies, levando a variações nos ecossistemas que são claramente visíveis atualmente”, declarou Carlos Heip, diretor geral do Instituto Real de Pesquisa Marinha da Holanda (NIOZ).
À primeira vista, pode parecer difícil entender porque essas conseqüências são negativas para nós, mas os cientistas enfatizam que tais mudanças provavelmente afetarão os seres humanos também. Segundo eles, essas alterações “terão sem dúvida implicações na pesca comercial e na implementação de estratégias eficientes de conservação e monitoramento ambiental”.
Heip concluiu que ainda são necessários mais estudos para se saber “o que está acontecendo nos mares da Europa, mas os sinais já apontam para muito mais problemas do que benefícios das mudanças climáticas. Apesar de muitas incertezas, é obvio que podemos esperar reviravoltas prejudiciais à medida que subvertemos o funcionamento de um sistema que é tão complexo e importante. A maioria dos impactos é tão claramente negativo, e a extensão da mudança é potencialmente tão grande que, somados, constituem sinais de alerta claros”.
O relatório completo será apresentado em uma conferência internacional da Academia Real Flamenga da Bélgica nos dias 14 e 15 de setembro, em Bruxelas.
* Publicado originalmente no site CarbonoBrasil.