Mulher vulnerável é um mito, diz coronel norte-americana

Após anos de pressão, o Pentágono cedeu. Na última semana, o órgão suspendeu a proibição de mulheres em posições de combate nas Forças Armadas dos Estados Unidos, abrindo a possibilidade para que sirvam na linha de frente ao lado dos homens. A decisão derruba uma regra de 1994 e responde à queixa das oficiais de que suas carreiras eram prejudicadas pela falta de experiência neste tipo de operação.

O presidente Barack Obama definiu o passo como “histórico”, uma vez que as mulheres representam quase 15% dos militares na ativa nos EUA, cerca de 204 mil indivíduos. Centenas delas estiveram nas guerras do Iraque e Afeganistão em posições de médicas, policiais militares e oficiais de inteligência. Mais de 150 morreram, mas ajudaram a romper a barreira de que seriam vulneráveis. “Qualquer um com o treinamento adequado tem as mesmas chances de sucesso ou fracasso em uma situação de combate”, diz a coronel Christine A. Stark, oficial com mais de 27 anos de experiência no Exército e na Guarda Nacional daquele país.

Soldada dos EUA em ação no Iraque. Foto: The U.S. Army/Flickr

 

Integrante da equipe de segurança presidencial na posse de George W. Bush em 2001, ela foi diretora de operações de aplicação de lei no Instituto de Manutenção da Paz e Operações de Estabilidade e faz parte da Escola Nacional de Guerra, da Universidade Nacional de Defesa dos EUA. Uma instituição conhecida por educar “futuros líderes” das Forças Armadas, Departamento de Estado e outras agências civis em estratégias de segurança nacional. Para lá costumam ir os oficiais superiores com condições de chegar aos mais altos cargos do estado-maior.

Na entrevista a seguir, a coronel define o banimento como “antiquado” e “limitador” e afirma que se as mulheres quiserem ocupar os cerca de 237 mil postos que podem se tornar disponíveis a elas, terão de treinar como homens. “O trabalho não faz distinção de gênero.”

CartaCapital: O que o fim da proibição para mulheres em posição de combate significa? O que muda?

Christine A. Stark: A maior mudança para as mulheres será o número de oportunidades disponíveis. Todos os postos em operações militares e de paz estarão abertos para os dois gêneros. É uma tremenda mudança, pois antes havia muitas vagas fechadas para mulheres. No Exército, elas não poderiam servir na infantaria, unidades de armas e em muitas das unidades de artilharia em campo. Isso significa que quanto mais uma mulher cresce na carreira, há menos oportunidades. Os postos de trabalho são mais escassos porque os colegas homens tinham mais posições abertas.

CC: Quais desafios as Forças Armadas dos EUA vão enfrentar para colocar a medida em prática?

C.A.S.: O maior desafio é uma resistência cultural a mudanças, que sempre são difíceis e podem estar sujeitas a certo nível de interpretação. O primeiro passo vai ser aceitar que essa é a nova política. Para muitas das soldados e oficiais mais novas, vai ser uma transição menos difícil porque elas cresceram com a integração das forças armadas. Quando me alistei em 1981, a integração feminina era um conceito novo, vindo do final dos anos 1970 quando as primeiras mulheres entraram no serviço da academia. Hoje não é mais assim.

CC: Por que o banimento desta proibição ocorreu apenas agora?

C.A.S.: Aprendemos muito nos últimos 25 anos com a integração das Forças Armadas e dez anos de persistentes conflitos de servir no exterior. Isso teve um impacto em como os gêneros são vistos. Além disso, os militares e líderes de defesa mais velhos estão prontos para a mudança e as mulheres demonstraram seu valor para a Organização. A nossa liderança, civil e uniformizada, reconhece isso.

“É um mito que as mulheres são mais vulneráveis que os homens em combates”. Foto: NDU

CC: Quantas vagas serão abertas para a linha de frente?

C.A.S.: É difícil dar um número exato, mas a grande notícia é que não haverá mais nenhum posto fechado. Como policial militar, mesmo que minha organização seja aberta a mulheres, há posições chamadas de “específicas de combate” às quais não posso servir. Isso agora acabou. Posso ser desqualificada por muitas coisas, mas não simplesmente por causa do meu sexo.

CC: Pela sua experiência, as mulheres são mais vulneráveis em combate?

C.A.S.: Isso é um mito. Qualquer um com o treinamento adequado tem as mesmas chances de sucesso ou fracasso em uma situação de combate. Não creio que uma mulher com uma arma é necessariamente mais ou menos vulnerável que um homem com uma arma (risos).

CC: As mulheres precisarão de treinamentos específicos ou deverão seguir o mesmo planejamento dos homens?

C.A.S.: O padrão de treinamento é a chave para que essa medida tenha sucesso. Para que as mulheres tenham as mesmas oportunidades que seus colegas homens, precisam ter o mesmo treinamento que eles. O trabalho não faz distinção de gênero. Nada do treinamento deve mudar.

CC: E a respeito das táticas e técnicas?

C.A.S.: Elas também precisam ser as mesmas. As armas e equipamentos não especificam sexo. As táticas e procedimentos que todos seguem devem ser iguais e para que as forças armadas funcionem todos devem conhecer o seu trabalho. E na unidade você tem que ser capaz de realizar uma série de trabalhos.

CC: Haverá resistência dos homens em posição de comando militar?

C.A.S.: Não creio que eles vão rejeitar a medida, porque a estrutura é bem profissional. Em qualquer organização pode haver reticências, mas, em geral, vai ser uma prática aceitável. Muitos dos nossos líderes têm esperado por isso há anos e estamos mais que prontos para abraçar essa mudança. É mais uma formalização da transição que estamos passando em muitos aspectos, mas é essa oficialização que diz: “esse banimento para mulheres em posição de combate é antiquado e se tornou limitador”.

CC: Como essa decisão, as mulheres poderão atingir cargos mais elevados na carreira militar?

C.A.S.: Com certeza. O fim do banimento diz respeito a oportunidades. Formalmente acabar com ele, permite que mulheres na carreira militar realizem qualquer tarefa e sejam promovidas a posições de maiores níveis. Além disso, aumenta-se o número de vagas para as mulheres que terão mais chances de continuar atuando.

* Publicado originalmente no site Carta Capital.