Rio de Janeiro, Brasil, 9/3/2012 – O dinheiro não faz a felicidade, mas ajuda as mulheres brasileiras se sentirem as mais felizes e otimistas do mundo, inclusive à frente dos homens brasileiros, segundo estudo que atribui esse bem-estar a políticas socioeconômicas com enfoque de gênero, implantadas na última década. O estudo do Centro de Políticas Sociais, da Fundação Getulio Vargas, mostra que, em uma escala de um a dez, as mulheres brasileiras se manifestaram como as mais felizes de uma lista de 158 países.
As que responderam à pesquisa no Brasil, que quantificaram sua “expectativa de satisfação com a vida” até 2015, ficaram em um lugar médio de 8,98. Os homens brasileiros também lideram a lista mundial, mas se expressaram ligeiramente menos felizes, com média de 8,56, diz a pesquisa De volta ao país do futuro: crise europeia, projeções e a nova classe média.
A pesquisa, divulgada no dia 7, pretende avaliar “as perspectivas futuras do Brasil com base em duas vertentes”, uma objetiva, baseada na evolução das classes econômicas, e outra subjetiva, analisando as expectativas individuais de satisfação com a vida. E se destaca um capítulo dedicado às mulheres. O estudo foi apresentado por ocasião do Dia Internacional da Mulher, celebrado ontem, cujo foco este ano é como neutralizar o fenômeno da feminização da pobreza, em particular das mulheres rurais.
Com base em microdados da pesquisa mundial do Instituto Gallup, a pesquisa colocou atrás das mulheres brasileiras as dinamarquesas, e em último lugar as do Zimbábue. Outros países latino-americanos na lista são Argentina (23º lugar), Costa Rica (24º), Honduras (51º), Uruguai (53º), Peru (75º) e Haiti (130º). Outro tanto ocorre com a “felicidade presente” em 2011, ano da pesquisa. As brasileiras foram as mais satisfeitas com suas vidas, 6,73, comparadas com os brasileiros, que expressaram uma média de 6,54.
“O dinheiro traz felicidade?”, perguntou o coordenador do estudo, o economista Marcelo Neri, na apresentação da pesquisa no Rio de Janeiro. “Não podemos descartar este dado”, disse referindo-se aos avanços econômicos do Brasil na última década. As mulheres entrevistadas não tiveram que explicar as causas de sua felicidade, mas outros capítulos do estudo, baseados em dados objetivos, demonstram essa influência.
Desde o começo do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, até o final, em 2011, e primeiro ano do mandato de Dilma Rousseff, 40 milhões de pessoas saíram da pobreza e entraram na classe média neste país de 198 milhões de habitantes. Outros 13 milhões de pessoas percorrerão esse caminho até 2014, segundo os dados e as tendências analisadas. Além disso, nos 12 meses transcorridos até janeiro deste ano, a pobreza caiu 7,9%, a um ritmo três vezes mais rápido do que o necessário para reduzir pela metade a proporção da população pobre entre 1990 e 2015, segundo os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio Organização das Nações Unidas (ONU).
Também em matéria de renda de ricos e pobres o Brasil registra um avanço sustentado nos últimos 12 anos, embora continue situado entre os países mais desiguais do mundo. Em janeiro deste ano, o coeficiente Gini (um número entre zero, máxima igualdade de renda, e um, máxima desigualdade) caiu para 0,5190, menor inclusive do que o piso histórico de 0,5367, registrado em 1960. No dia 6, o governo informou que o produto interno bruto cresceu 2,7% no ano passado. Neri considerou esse dado “não espetacular”, mas “bom”, e atribuível ao estímulo do consumo interno em meio à crise mundial.
Nos nove anos analisados, o economista focou-se em questões estritamente de gênero. Na educação, por exemplo, cresceu e se inverteu a escolaridade da população adulta feminina e masculina. Enquanto em 1992 a média masculina era de 5,1 anos de estudo aprovados e o feminino de 4,9 anos, em 2009 as mulheres tinham média de 7,4 anos e os homens de 7,2. “Se o futuro é de quem tem educação, e as mulheres são as mais educadas, o futuro é delas”, destacou Neri.
Os parâmetros de gênero otimistas também se confirmam na evolução da renda. Em 1992, os salários médios dos homens eram 62% maiores do que os das mulheres, e em 2009 esta brecha caiu para 42%. Houve avanços, embora “a diferença ainda seja grande”, reconheceu Neri. Em um retrato tomado em seis capitais estaduais, a renda média da mulher cresceu 120% entre 2003 e 2011, enquanto a do homem aumentou 95%.
“O Brasil está construindo uma política preferencial para as mulheres dentro de suas políticas sociais. Talvez por isso sejam mais felizes”, arriscou o economista. Neri se referia a programas de transferência de renda como o Bolsa Família, que concede uma renda para cada família pobre, em troca da observância de requisitos em saúde e educação para os filhos. Dos que recebem esse benefício, 91% são mulheres.
Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, a Comissão de Direitos Humanos do Legislativo aprovou um projeto de lei que torna obrigatória a igualdade salarial de homens e mulheres para trabalhos iguais. Se a lei entrar em vigor, as empresas que não a cumprirem serão multadas.
Organizações como o Centro Feminista de Estudos e Assessoria (CFEMA) reconhecem que o orçamento federal 2012-2015 destina maiores recursos para trabalho, emprego e renda, onde são mais evidentes as desigualdades étnico-raciais e de gênero. Porém, destacam que esse orçamento ainda “não está consolidado com uma perspectiva de gênero” e “não muda o quadro de desigualdade persistente”.
“Minha filha tem saúde, estou trabalhando, bem encaminhada e ativa no mercado profissional, podendo, por isso tomar minha cervejinha e ter prazer”, responde a uma pergunta da IPS a jornalista Sonia Toledo, que qualifica em 6,8 seu “grau de felicidade pessoal”. A chefe de cozinha Suzana Flores declarou: “o que me falta? Recursos financeiros para melhorar meu negócio, dinheiro para lazer e cultura”, respondeu, dando sete pontos em felicidade. “Nos faltam melhores salários, valorização de nosso trabalho, cultura, e que os homens nos valorizem”, disse Flores, que também se ressente da falta de um companheiro que queira um compromisso sério.
Em termos gerais, a falta de companhia sentimental não parece ser o que torna as brasileiras infelizes, nem as mulheres de outros lugares. Segundo o estudo, a tendência mundial indica que as mulheres solteiras apresentam uma “felicidade futura média” de 7,28 contra 6,68 das casadas, embora os dados disponíveis não permitam precisar os motivos. Neri deixou para o final outro dado revelador, contrário à “minha corporação”, brincou. As brasileiras solteiras, divorciadas, viúvas ou separadas têm uma renda média 30% maior do que as demais. Envolverde/IPS