Beirute, Líbano, 8/7/2011 – As defensoras da igualdade de gênero estão espantadas, no Líbano, diante do desparecimento das mulheres do gabinete ministerial de 30 membros do novo governo do primeiro-ministro Najib Mikati, formado após cinco meses de intensas discussões políticas. As mulheres conquistaram o direito de voto neste país em 1952. “Tenho de confessar que não esperava que aumentasse a quantidade de mulheres, mas tampouco pensei que não haveria nenhuma”, disse Lina Abou-Habib, diretora-executiva da organização Coletivo para a Pesquisa e Capacitação em Desenvolvimento-Ação (CRTD-A).
As ativistas receberam “com espanto e horror” a lista dos membros do gabinete. Também se surpreenderam pelo fato de o assunto ser quase ignorado pela imprensa local e internacional, apesar de já terem passado duas semanas do anúncio. A presença feminina no governo nunca esteve perto dos 30% considerados adequados para conseguir mudanças sociais, mas, pelo menos, havia mulheres. No gabinete anterior, os Ministérios das Finanças e de Estado eram liderados por mulheres, e havia outras quatro no parlamento de 128 membros.
Os desafios que o movimento feminino tem pela frente são muito mais do que conseguir melhor representação política, disse Farah Salka, da organização Nasawiya. “Esta é apenas a ponta do iceberg”, afirmou. “Vivemos em um país onde os direitos inalienáveis das mulheres são destroçados por homens que procuram nos doutrinar desde a infância para aceitarmos o status quo. A falta de mulheres no governo é um duro reflexo da situação atual no Líbano”, acrescentou.
Este país assinou a Convenção das Nações Unidas para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, e sua Constituição garante a igualdade de gênero, mas, no entanto, são mantidas leis que as subordinam. Algumas das normas mais surpreendentes são as que impedem as mulheres de passarem aos seus filhos sua nacionalidade e as condenações pouco severas para homens condenados pelos chamados “crimes de honra”. E, até 2009, as mulheres não podiam abrir conta bancária para os filhos.
A máxima autoridade sunita do país, xeque Mohammad Qabbani, rechaçou na semana passada uma lei para protegê-las da violência doméstica, por considerá-la uma ameaça ocidental aos valores da família islâmica. O governo do Líbano se forma com base em um delicado equilíbrio entre as 17 denominações religiosas reconhecidas. Os principais partidos políticos estão divididos por suas tendências confessionais, embora tecnicamente estejam abertos a todos os cidadãos.
Os interesses partidários sempre desempenharam um papel maior na política libanesa em relação aos da igualdade, disse Nadya Khalife, pesquisadora da organização Human Rights Watch, com sede em Nova York. A preocupação em atender os preceitos religiosos prejudicou a capacitação feminina. As poucas mulheres que integraram gabinetes passados foram designadas por vínculos familiares e não por seu mérito, qualificação ou dedicação em defesa de seus direitos.
A natureza religiosa da política libanesa atenta contra a participação feminina, concordou Abou-Habib. “Quanto mais poder têm as confissões no Líbano, mais falham com as mulheres”, acrescentou. Tribunais religiosos estão acima das leis vinculadas ao status pessoal, o que leva à discriminação de gênero sobre questões importantes como divórcio, custódia dos filhos e herança. “O secularismo não necessariamente equivale à desigualdade de gênero, mas as confissões são, sem dúvida, uma das causas de raiz da desigualdade”, ressaltou Abou-Habib.
Talvez pelo sistema confessional do país, a participação política das mulheres esteja atrasada em relação a outros países árabes. Elas constituem mais da metade da população e das pessoas habilitadas a votar, mas em 2009 conseguiram apenas 3,1% dos cargos políticos. Os números são muito mais baixos do que nos países vizinhos, considerados mais conservadores em matéria de direitos femininos, 12,4% na Síria, 25,2% no Iraque e 7,7% no Kuwait.
A exclusão de mulheres do gabinete coincide com um momento em que são registrados grandes retrocessos políticos. No Egito, a participação feminina nos protestos deste ano foi significativa, mas apenas uma mulher integra o gabinete de 27 membros. Na Tunísia, onde as mulheres chegaram a ter um quarto das cadeiras no parlamento, agora elas são marginalizadas, com apenas duas ministras no gabinete de 31 integrantes.
O movimento feminista árabe foi “ingênuo ao pensar que não poderia haver um retrocesso”, disse Abou-Habib. “Todas concordamos que agora o desafio é muito maior”, acrescentou, referindo-se ao encontro estratégico de dois dias com movimentos feministas árabes convocados por sua organização, a CRTD-a. “Houve um significativo aumento de organizações fundamentalistas e religiosas, o que prejudicará as mulheres”, destacou.
As ativistas devem repensar de forma radical seu curso de ação, afirmou Khalife. Primeiro, “como mulheres temos de participar mais da política e abandonar a crença de que esta é reservada aos homens”, acrescentou. Por seu lado, Abou-Habib foi mais drástica. “É um bom momento para sair ao ataque do ponto de vista intelectual, não apenas nas ruas. Não tem mais sentido continuar avançando passo por passo, é hora de realizar uma revolução feminina”, ressaltou. Envolverde/IPS