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Mulheres com problemas mentais, abandonadas e abusadas na Índia

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As mulheres internadas em instituições de saúde mental na Índia sofrem um abuso sistemático que inclui detenção, negligência e violência. Foto: Shazia Yousuf/IPS

 

Mumbai, Índia, 4/2/2015 – Após o nascimento de seu terceiro filho, Smita, moradora na capital da Índia, sentia-se “desconectada e deprimida”, às vezes por vários dias seguidos. “Muito depois me disseram que eu tive uma grave depressão pós-parto, mas na época não fizeram um bom diagnóstico sobre minha saúde. Meu casamento não estava bem, e como os sintomas não desapareciam, meu marido estava disposto a pedir o divórcio, mas eu resisti”, recordou.

Depois de passar por uma sessão terapêutica, Smita teve diagnosticado transtorno bipolar, uma desordem psiquiátrica caracterizada por oscilações maníaco-depressivas. “Ninguém sugeriu realizar uma segunda consulta e meus pais e meu marido aceitaram esse diagnóstico. Certo dia, durante um severo ataque de pânico, Smita encontrou dez policiais do lado de fora de sua casa.

“Me levaram a um conhecido hospital de Nova Délhi, onde os médicos me sedaram sem me examinar. Quando acordei depois de uma semana descobri que haviam tirado meu telefone e minha carteira”, contou Smita. Todas as suas súplicas para falar com seu marido e seus pais foram ignoradas. Foi o começo de um pesadelo que durou quase dois meses, a maior parte do tempo em isolamento.

“As enfermeiras eram desagradáveis e cruéis. Lembro uma vez em que meu corpo doía todo e a enfermeira me cravou uma seringa sem perguntar qual era o problema”, acrescentou Smita. Outra vez, quando deixou de comer em protesto por lhe negarem dar um telefonema, foi arrastada pela sala. “Algumas mulheres me contaram que eram agredidas e abusadas”, afirmou.

De fato, nem todas as pacientes que estão em instituições mentais sofrem realmente de problemas psíquicos. Algumas estão internadas porque tinham amantes ou estavam envolvidas em disputas familiares pela propriedade de algum bem.

Poucos dias depois de receber alta, o marido de Smita apresentou o pedido de divórcio alegando sua instabilidade psíquica. “Me dei conta de que preparava tudo para ficar com a guarda das crianças”, contou. Isolada e com medo, Smita não encontrou forças nem apoio para se defender. Pouco depois, seu marido conseguiu a guarda dos filhos do casal. “Meu médico disse que estou bem, não tomo nenhuma medicação, mas ainda carrego o estigma. Não posso ver meus filhos e já não confio em meus pais”, disse à IPS.

O grau de violência que sofrem as mulheres nas instituições de saúde mental da Índia ficou evidente no informe Tratadas Pior do que Animais, publicado pela organização Human Rights Watch (HRW), que tem sede central em Nova York. Ratnaboli Ray, que trabalha na área de direitos de saúde mental no Estado de Bengala Ocidental há 20 anos, afirmou que, em média, uma em cada três mulheres é internada nessas instituições sem justificativa médica.

“A lei estabelece que só é necessário um psiquiatra disposto a certificar que uma pessoa tem algum problema psiquiátrico para institucionalizá-lo”, explicou Ray, que criou a Anjali, uma organização que trabalha com três instituições de saúde mental em Bengala Ocidental. “Muitas famílias usam isso como artimanha para privar as mulheres de dinheiro, propriedade ou vida familiar. Uma vez que entram nesses lugares perdem a cidadania e seus direitos”, acrescentou.

Ray contou o caso de Neeti, internada em um hospital psiquiátrico com pouco mais de 20 anos porque disse que ouvia vozes. “Quando a conhecemos tinha cerca de 40 anos e estava totalmente recuperada, mas sua família não a queria de volta porque havia interesses imobiliários em jogo”, explicou. Com ajuda da Anjali, Neeti lutou e conseguiu acesso ao que lhe cabia da propriedade familiar e pode abandonar o hospital.

“Há apenas ar ou luz. Ao contrário dos homens que têm permissão para alguma mobilidade dentro da instituição, as mulheres são tratadas como gado”, denunciou Ray. Em muitos hospitais não lhes dão roupas nem absorventes. Os abusos sexuais são impressionantes “porque está fora do espaço público e há uma falta de legitimidade assumida no que dizem, suas queixas ficam invalidadas por estarem loucas”, acrescentou. Gravidez não desejada e abortos forçados impactam na saúde mental e física. As mulheres permanecem anos internadas, descuidadas e desatendidas.

“É impossível não notar o flagrante contraste entre os setores masculino e feminino”, disse Vaishnavi Jaikumar, cofundadora da organização The Banyan, que oferece assistência psicológica em Chennai, capital do Estado de Tamil Nadu. Na ala masculina se vê “esposas e mães visitando seus familiares com alimentos e roupa limpa, enquanto os setores femininos estão vazios”, contou. Além disso, o número de altas entre as mulheres é muito menor.

A saúde mental está entre as últimas preocupações do sistema de saúde pública da Índia. Segundo documento da Organização Mundial da Saúde (OMS), o governo indiano destina apenas 0,06% do orçamento para a saúde à atenção psiquiátrica e psicológica. O Ministério da Saúde informou que entre 6% e 7% da população sofre problemas psicossociais, mas há apenas um psiquiatra para cada 343 mil habitantes.

A Índia conta com apenas 43 hospitais psiquiátricos em todo o país, uma grave carência para uma população de 1,2 bilhão de habitantes. O Programa de Saúde Mental por Distrito está presente em apenas 123 dos 650 existentes no país, segundo a HRW; o prognóstico para as pessoas com problemas psiquiátricos é desolador.

As mulheres sofrem o dobro de depressão em relação aos homens. Os especialistas dizem que a pobreza, a discriminação de gênero e a violência sexual são fatores que deixam as mulheres em uma situação de maior vulnerabilidade diante dos transtornos psiquiátricos.

Gopikumar, da organização The Banyan, propõe soluções criativas mais humanas, como o Housing First, no Canadá, que inclui tanto pessoas sem teto como as que sofrem problemas psiquiátricos. Atualmente, a The Banyan realiza uma experiência de atenção baseada na comunidade e financiada pela Fundação Bill e Melinda Gates e pelo governo canadense.

“Nosso modelo se baseia na moradia e em um modelo inclusivo como ferramenta para a integração na comunidade”, explicou Gopkumar. “As pessoas mais pobres do mundo são as que têm deficiências e na maioria são mulheres. Sofrem a pobreza tanto por discriminação de casta como de gênero. É hora de abrirmos os olhos para o problema”, destacou. Envolverde/IPS