Arquivo

Mulheres desafiam líderes islâmicos

Daka, Bangladesh, 9/5/2011 – Organizações de mulheres pressionam o governo de Bangladesh para que execute a política nacional a favor da igualdade de gênero, apesar da dura resistência por parte de religiosos islâmicos. Ativistas da Jatiya Mahila Sangstha (organização nacional de mulheres) realizaram manifestações e formaram cadeias humanas nas grandes cidades reclamando o cumprimento imediato da iniciativa.

A Política Nacional para o Desenvolvimento das Mulheres (PNDM) consagra direitos econômicos e políticos, como o benefício à seguridade social, o que garante a aprovação de leis para reduzir a violência contra elas e cobrir suas necessidades em matéria de saúde e alimentação.

A mobilização de mulheres ocorreu uma semana após líderes religiosos islâmicos terem se manifestando contra a iniciativa argumentando que há disposições que ofendem a sensibilidade islâmica e se chocam com o Corão, o livro sagrado do Islã, e os Hádices, que concentram orientações e ações do profeta Maomé.

Os clérigos se opõem à igualdade de gênero porque o Islã não o permite, segundo afirmam. Também são contra o artigo que fala em distribuição da propriedade e da terra de maneira igual, pois as mulheres herdam de seus pais depois do casamento e de seus maridos, ao ficarem viúvas.

Os mulás, a maioria dos que participaram da mobilização de líderes religiosos, bloquearam as principais estradas de quase todos os 64 distritos e incendiaram pelo menos 150 veículos. Mais de 60 pessoas ficaram feridas, inclusive policiais, e foram registrados danos à propriedade. Os religiosos, que tiveram apoio da principal força de oposição do país, o Partido Nacionalista de Bangladesh (PNB), disseram que manterão a mobilização até serem consultados pelo governo para emendar os controversos artigos. O primeiro-ministro, Xeque Hasina, disse que as objeções dos religiosos serão atendidas eliminando frases contraditórias do PNDM 2011.

A confusão se resolveu após extensa revisão do Alcorão, disse Hasina a representantes da organização de professores escolares religiosos Jamiatul Mudarresin, um dia antes da mobilização das mulheres. “Já esclarecemos nossa posição sobre as questões que apresentaram e suas reclamações foram atendidas”, disse a ministra de Assuntos da Infância e da Mulher, Shirin Sharmin Chowdhury.

O governo aprovou o PNDM 2011 na véspera do Dia Internacional da Mulher (8 de março), após reavaliar um documento formulado no final da década de 1990 pela centro-esquerdista Liga Awami quando chegou ao governo. Nunca foi possível implementar totalmente as mudanças que fizeram os sucessivos governos. Enquanto isto, diferentes órgãos parlamentares examinam leis relevantes e necessárias para tornar a iniciativa efetiva.

Organizações femininas, que defendem o começo da aplicação da norma, também ajudaram a redigir o texto final. Mas, quando terminou o processo, acabou o mandato do governo e a execução da política ficou incompleta. Em 1997, já houve grupos religiosos que, inteirados do trabalho preliminar sobre a PNDM, avisaram que seriam contra as disposições que contemplassem mais direitos e poderes às mulheres.

“As disposições contradizem leis islâmicas”, disse Mufti Fazlul Haque Amini, presidente do Comitê de Implementação da Lei Islâmica, que também lidera uma facção de um aliado do PNB, o partido Islami Oikya Jote. Durante o governo interino de 2007, a iniciativa voltou a ser colocada sobre a mesa.

“Precisamos lidar com a tremenda oposição do mesmo grupo islâmico”, disse à IPS Rasheda K. Choudhury, então assessora do Ministério da Infância e da Mulher, do governo interino. “Sob pressão incluímos a Fundação Islâmica, para a qual eruditos muçulmanos deram sua contribuição. O informe do Comitê procedente da Fundação era inaceitável, pois negava as contribuições das mulheres ao desenvolvimento da nação”, acrescentou.

Quando a coalizão de quatro partidos, liderada pelo PNB, chegou ao poder em 2004 foram mudados alguns artigos que davam igualdade de direito às mulheres e controle total sobre a propriedade herdada. O fato não surpreendeu porque a coalizão é formada pelo partido Jamaat-e-Islami. A PNDM de 2004 muda conceitos como “direito de herança equitativo”, “participação total e igualitária” e igualdade em educação e oportunidades foram trocados por “direitos da mulher”.

Outra mudança foi a exclusão da disposição sobre a eleição direta de mulheres para o parlamento e o aumento da quantidade de cadeiras destinadas a elas. A frase “eleição direta” foi substituída por “seguirão todos os acordos efetivos necessários”. A versão de 2004 foi redigida sem nenhuma discussão nem referência às sessões do comitê parlamentar, recordou Ayesha Jaanam, secretária-geral do Comitê Central de Bangladesh Mahila Parishad, a organização de mulheres mais antiga do país.

“Por outro lado, a política de 1997 era um reflexo de importantes convenções internacionais, como a Cúpula da Terra no Rio de Janeiro em 1992, a Conferência de Viena sobre Direitos Humanos e o Plano de ação de 1993, a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento do Cairo de 1994, e a Quarta Conferência Mundial de Mulheres de 1995”, disse Jaanam.

A PNDM pretende promover a igualdade de direitos, garantir a segurança em todos os aspectos da vida e criar um ambiente para dar poder econômico, social, político e administrativo às mulheres. Também objetiva a criação de uma força de trabalho feminina educada e capacitada para contribuir com o desenvolvimento nacional.

“A política pretende impulsionar mudanças na vida das mulheres que foram adiadas”, disse Sultana Kamal, ex-assessora do governo interino e integrante do conselho de administração da Ain-O-Salish Kendra, uma das mais importantes organizações de Bangladesh, que luta pelos direitos femininos desde os anos 1980 e participou da redação da PNDM este ano. “Haverá mais mulheres capacitadas e educadas, tomarão decisões informadas e terão papeis de liderança no desenvolvimento de áreas rurais”, acrescentou Kamal. Envolverde/IPS