Arquivo

Mulheres dormindo com um olho aberto

Ajegunle, assentamento de uma zona baixa de Lagos. Foto: Sam Olukoya/IPS

Lagos, Nigéria, 19/12/2011 – As mulheres de Makoko, um assentamento irregular perto da Lagoa de Lagos, na costa atlântica da Nigéria, sempre dormem com um olho aberto. Muitas temem acordar com suas casas e seus comércios inundados. “Outro dia sonhei que sentia um ar frio. Quando acordei vi que dormia em uma casa inundada”, contou Dupe Faseun, mãe solteira de cinco filhos e dona de uma cantina. “As inundações são um grande problema aqui, levam tudo e as panelas ficam cheias de água suja”, disse, acrescentando que a frequência do fenômeno aumentou nos últimos anos.

Os assentamentos das zonas baixas que existem em várias partes de Lagos sofrem o pior impacto das inundações causadas pela mudança climática, segundo Desmond Majekodunmi, ambientalista da Fundação de Conservação Nigeriana. O programa de assentamentos humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), a ONU-Habitat, coloca Lagos entre as cidades costeiras africanas com possibilidade de sofrerem graves consequências pelo aumento do nível do mar.

A Lagoa de Lagos, ligada ao Oceano Atlântico, registrou aumento do nível da água devido ao mesmo fenômeno ocorrido no mar. O nível desse oceano aumenta por causa da mudança climática, segundo pesquisa publicada na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. As chuvas também se intensificaram na região, de acordo com um novo estudo do Instituto de Pesquisa Social e Econômica da Nigéria.

“A tendência indica que as chuvas ocorrem cada vez mais. As pessoas consultadas disseram que nos últimos dez anos houve aumento do nível do mar em Lagos, que causou inundações em muitas partes deste Estado”, diz o estudo. No entanto, a organização não indica a frequência do fenômeno. A Agência Meteorológica da Nigéria (Nimet) atribui as prolongadas e maiores precipitações registradas na região à mudança climática. As consequências disto foram devastadoras: em julho morreram pelo menos 25 pessoas devido às chuvas torrenciais.

“O nível da água havia aumentando de forma incrível e os canais previstos para esvaziar caminhos e drenagens estão totalmente tapados pela maré alta e porque o Atlântico e a Lagoa de Lagos subiram mais do que o habitual”, afirmou Tunji Bello, comissário de Meio Ambiente do Estado de Lagos, pouco depois do incidente.

Majekodunmi afirmou que o elemento mais perturbador é a ameaça que representa a mudança climática para as atividades econômicas nos bairros pobres. As mulheres estão entre as pessoas mais afetadas porque muitas são as únicas responsáveis da família. “São as que têm de alimentar seus bebês e filhos pequenos. Algumas têm famílias bem grandes porque a cultura nigeriana promove a procriação e as famílias extensas”, explicou.

Faseun, dona de uma pequena cantina perto de sua casa, disse que as inundações são a maior ameaça ao seu negócio porque, às vezes, deve esperar uma semana para a água baixar e poder voltar ao trabalho. “Ninguém quer comprar comida em um lugar cheio de água suja. Fico deprimida quando não posso vender por causa das inundações. Sempre me pergunto de onde vou tirar dinheiro para cuidar dos meus filhos”, afirmou.

Em Ajegunle, outro assentamento localizado em uma zona baixa de Lagos, as inundações também prejudicam as atividades econômicas femininas. A maioria das mulheres ganha a vida processando pescado fresco, mas é difícil trabalhar quando a área está inundada. “Não podem trabalhar quando o lugar onde defumam o pescado está inundado, pois não contam com casas frescas e na maioria das vezes os peixes apodrecem antes de a água baixar”’, disse à IPS o secretário do sindicato de pescadores de Ajegunle, Fatai Ojulari. “As mulheres passam momentos difíceis e não há nenhuma assistência econômica”, afirmou.

Porém, o governo afirma que atende este problema. “Temos uma estratégia costeira de defesa, que inclui um muro de segurança para proteger Lagos da ameaça do Oceano Atlântico”, disse à IPS o governador deste Estado, Babatunde Fashola.

Tunde Akingbade, um ambientalista que participou de várias conferências sobre mudança climática, disse que os fundos para a adaptação, como o acordado na COP 17, que terminou no dia 11 na cidade sul-africana de Durban, poderão ajudar as pessoas que vivem em assentamentos como os de Makoko e Ajegunle. “Porém, é importante dizer que o grau de transparência e de boa governança é crucial para que o dinheiro atenda as necessidades das pessoas”, destacou à IPS.

Por enquanto, não é muito o que Faseun e outras mulheres como ela podem fazer para resolver o problema. “As inundações pioram a cada ano, mas não posso ir embora porque não tenho dinheiro para mudar para um lugar melhor”, lamentou. Envolverde/IPS