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Mulheres entram em cena apesar do Talibã

Atrizes na produção de Jushal Jan Jattak, que estreou em Peshawar, Paquistão. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

Peshawar, Paquistão, 10/4/2013 – O movimento islâmico Talibã pode ter proibido o teatro, mas as mulheres das províncias do norte do Paquistão não estão dispostas a permitir que a ameaça de represálias as afaste do palco. Mina Gul, de 32 anos, é uma das jovens atrizes decididas a não se render sem lutar. Ela estreou a última produção da obra Jushal Jan Jattak, baseada na vida desse poeta e guerreiro pastum do século 17, que promoveu a unidade afegã sob o império mongol.

A televisão foi a paixão de Gul, mas seu vínculo com o teatro resultou ser um “acontecimento bem-vindo em sua carreira de dez anos no mundo do espetáculo”, contou à IPS. Dirigida pelo premiado Masud Ahmad Shah, a obra oferece oportunidade a 15 atrizes com diferentes graus de experiência para atuar diante do público, um desafio para aquelas cujas carreiras se desenvolveram em séries gravadas para a televisão.

O cenário “exige maior concentração”, observou Gul. Ao contrário da televisão, que permite repetir uma cena várias vezes, o teatro dá apenas uma oportunidade para fazer justiça aos intermináveis ensaios e às horas de trabalho para preparar uma situação ou um papel específico. Gul começou sua carreira na Pakistan Television e é uma estrela local, mas a estreia no teatro a “incentiva e estimula” a buscar mais papéis para viver do trabalho de autor.

Logo o governo afegão colocará em cena a mesma obra, na qual Gul representa o papel principal, em Cabul e na cidade de Kandahar. Ela e suas companheiras estão ansiosas por uma viagem na qual esperam forjar vínculos duradouros com mulheres que, do outro lado da fronteira, sofrem o mesmo tipo de repressão cultural e de gênero que elas.

A primeira vez que foi apresentada a obra em Peshawar, capital da província paquistanesa de Jyber Pajtunjwa, no começo de março, a peça recebeu elogios por estender “pontes culturais” entre países vizinhos. A obra foi reconhecida por se concentrar no sentido profundo da unidade e da identidade pastuns.

Os pastuns são o maior grupo étnico do Afeganistão e o segundo no Paquistão, e têm muita identidade cultural e compartilham experiências comuns de um lado e de outro da fronteira. A última foi a experiência de sofrer o regime do Talibã, de maioria pastum. Agora a obra promete incentivar a solidariedade entre mulheres desta etnia, que sofrem mais o peso da cultura patriarcal e dos extremismos religiosos.

O dramaturgo Nurul Bashar Navid disse à IPS que as 15 atrizes que atuam na peça “deram nova vida” ao ambiente teatral paquistanês, dominado por homens. “A maioria das pessoas não concorda que as mulheres saiam à luz pública pelas consequências sociais, e não aceita que apareçam em filmes, dramas ou produções teatrais”, explicou.

Porém, a reação do público a esta peça mostra uma mudança de atitude. Famílias, amigos e amantes do teatro ocuparam os 600 lugares do Nishtar Hall em Peshawar, a maior sala desta província de Jyber Pajtunjwa, por três noites seguidas. Cada apresentação foi ovacionada com o público em pé, aplaudindo até depois de fechada a cortina.

“As mulheres do público nos deram uma força imensa, que melhorou enormemente nossa atuação”, disse Shah Naz, que representa a mucama de Jushal Jan Jattak. O sucesso esmagador da peça não é um êxito menor em um lugar onde até os homens duvidam na hora de aceitar um papel por medo da ira do Talibã. Entretanto, não apenas os atores, mas também outros artistas são alvo frequente de ataques do Talibã.

Javaid Babar, presidente da Associação de Artistas de Jyber Pajtunjwa, contou à IPS que cerca de 200 atores, atrizes e bailarinos abandonaram suas profissões em 2008, quando o Talibã qualificou o teatro e o cinema de “não islâmicos”. Em 2009, “o Talibã executou a famosa bailarina Shabana Begum, no vale de Swat, e pendurou seu corpo em um poste de iluminação pública, o que levou muitos artistas a ficarem em casa ou fugirem para outras cidades”, recordou.

Os espetáculos públicos são escassos no norte do Paquistão. A última obra, sobre a vida do poeta pastum Rehman Baba, foi apresentada em dezembro de 2012. Isso faz com que os atores não possam viver da profissão. Mas a encenação de Jushal Jan Jattak também traz consigo uma esperança de mudança. Shah Naz recebeu US$ 350 por seu papel, e Mina Gul US$ 500, pelas três apresentações. Conscientes do potencial da peça, os governos do Paquistão e do Afeganistão procuram garantir sua continuidade para ser apresentada dos dois lados da fronteira.

Parvin Malal, adido cultural do Afeganistão em Peshawar, pediu ao departamento cultural de Jyber Pajtunjwa que a obra seja apresentada em Cabul, Jalalabad e Kandahar, prevendo que as atrizes receberão uma “bela resposta” dos amantes da arte do outro lado da fronteira. O diretor prevê mudar a obra ligeiramente para adaptá-la ao público afegão e incluir algumas atrizes desse país para cultivar a unidade feminina.

O secretário do departamento de cultura e informação dessa província, Sultán Hanif Orakzai, que assistiu todas as apresentações, disse que a obra faz parte do esforço do governo para “centrar a atenção nos serviços oferecidos por diferentes heróis pastuns, colocar mulheres em cena e incentivar as famílias a aproveitarem os espetáculos culturais”. O custo total da produção chegou ao equivalente a US$ 3 milhões, fornecidos pelo governo da província. “Recordarei dos fortes personagens femininos por muito tempo”, declarou à IPS Saeeda Babi, que viu a peça com seus três filhos. Envolverde/IPS