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Mulheres indianas podem falar de sexo... na internet

As mulheres indianas agora podem falar sobre sexo na internet. Foto: Zofeen Ebrahim/IPS

Kolkata, Índia, 12/6/2013 – Quando Rita Datta (nome fictício), de 30 anos, decidiu fazer um curso de alfabetização informática, adentrou em uma realidade virtual onde o maior tabu na Índia se transformou no mais simples e natural tema de conversação: o sexo. Datta, uma trabalhadora no serviço doméstico no Estado indiano de Bengala Ocidental, contou que a internet a ajudou a encontrar resposta para perguntas que nunca se animara a fazer.

No vasto e anônimo mundo do ciberespaço, Datta pode interagir com milhares de mulheres que, como ela, superam o estigma que neste país cerca a sexualidade feminina. “Agora posso falar das minhas necessidades, do meu corpo e de meus sentimentos como nunca antes”, explicou à IPS.

A Índia é o terceiro país com mais usuários ativos da internet com 137 milhões, atrás de China e Estados Unidos, embora o alcance da rede continue sendo baixo. Mas isto está mudando: enquanto os internautas urbanos constituíam 77% do total há uma década, as últimas pesquisas mostram que hoje 34% moram em cidades com menos de 500 mil habitantes.

Em um país onde se calcula que a cada 28 minutos uma mulher é violada, e onde foram registradas mais de 50 mil violações de meninos e meninas entre 2001 e 2011, especialistas dizem que o silêncio sobre os temas sexuais perpetua a violência contra as mulheres, que não só é tolerada como também estimulada. O uso da internet para romper este silêncio poderia ter um impacto tangível no terreno, preveem.

Em dezembro passado, a violação grupal de uma jovem estudante de medicina em um ônibus andando em Nova Délhi desatou uma onda de indignação nacional. Cada vez mais mulheres indianas usam os fóruns na internet para falar sobre violência de gênero, violações e a fortemente arraigada cultura patriarcal. Este intercâmbio é bem visto, especialmente por defensores da saúde reprodutiva feminina, que lutam por mudar o fato de que 22% das meninas indianas são mães antes de completarem 18 anos, devido à falta de consciência e de acesso a serviços de planejamento familiar.

A internet ainda deve chegar às zonas rurais, onde vivem 70% das mulheres. Mesmo em áreas onde a conexão é bastante boa, foi necessário passar muito tempo para que as indianas pudessem começar a opinar em fóruns online, superando uma forte cultura conservadora. A socióloga e feminista Manjima Bhattacharjya afirmou que hoje as mulheres estão criando espaços na internet onde podem trocar informação vital sobre anticoncepcionais, interagir com homens “sem a vigilância da sociedade, e expressar suas próprias opiniões sobre diversos temas, incluindo a violência sexual e o assédio”.

Estes fóruns se tornaram cruciais, sobretudo considerando que a educação sexual praticamente não existe nas escolas indianas. Os professores de biologia passam por alto sobre a reprodução e os livros de texto que fazem menção ao assunto estão sendo “revisados”, por seu “objetável conteúdo”.

Durante o projeto de pesquisa Erotics (acrônimo em inglês de Pesquisa Exploratória sobre Sexualidade e Internet), realizado pela internacional Associação para o Progresso das Comunicações (APC), Bhattacharjya descobriu que, em comparação com outros países analisados, o tema foi muito pouco investigado na Índia. O estudo da APC foi realizado no período 2008-2010 no Brasil, Estados Unidos, África do Sul, Índia e Líbano.

Porém, Bhattacharjya e outros acadêmicos, professores e ativistas começaram a identificar tendências que sugerem que a internet está empoderando as mulheres. “Me causou particular impacto o número de mães blogueiras, mulheres de classe média que comentam na internet sobre vários assuntos, desde abuso sexual contra menores até direitos reprodutivos e a divisão do trabalho por gênero”, indicou à IPS. A socióloga também afirmou que a internet oferece um espaço fundamental para a discussão de temas de gênero e orientação sexual em um país que despenalizou a homossexualidade apenas em 2009, e onde 73% da população ainda considera que deveria ser ilegal.

Bhattacharjya citou o caso de um jovem que sofria de depressão porque se identificava como mulher. Foi somente após ter acesso a informação na internet sobre mudança de sexo que finalmente buscou ajuda profissional, falou com sua família e decidiu submeter-se a uma cirurgia de mudança de sexo. “Agora tem um blog para ajudar outras pessoas com problemas de identidade de gênero”, contou. As ativistas indianas rapidamente aproveitam o aumento do número de internautas para divulgar suas campanhas pela rede.

A famosa Campanha da Roupa Íntima Rosa, movimento não violento em resposta a um ataque contra mulheres cometido em um bar na cidade de Mangalores, utilizou o Facebook para reunir 40 mil manifestantes em 2009. No dia 14 de fevereiro daquele ano, o grupo convocou seus partidários a enviarem roupa íntima na cor rosa ao escritório do grupo nacionalista hindu Sri Ram Sena, cujo líder ameaçara “tomar ações” contra casais não casados que fossem vistos pela rua no Dia de São Valentim (equivalente ao Dia dos Namorados). Após esse original protesto, o líder político se viu obrigado a dialogar com as ativistas.

Nos últimos anos, o número de blogs dedicados à sexualidade e à identidade de gênero se multiplicaram na Índia. Malobika, cofundadora do grupo de apoio a lésbicas Sappho for Equality, disse que a internet preencheu o vazio criado por uma sociedade intolerante com a identidade sexual. A ativista foi forçada a trabalhar “clandestinamente” até 2004. Hoje, contou à IPS, a Sappho for Equality é a única plataforma visível para lésbicas em Kolkata, oferece serviços online e recebe telefonemas todos os dias. Envolverde/IPS