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Mulheres traumatizadas pela “guerra contra o terrorismo”

Mulheres paquistanesas sofrem também pela “guerra contra o terrorismo”. Foto: Ashfaq Yusufzai/IPS

Peshawar, Paquistão, 19/4/2012 – As consequências da “guerra contra o terrorismo”, lançada pelos Estados Unidos e por seus aliados em 2001, causaram estragos em milhares de mulheres do noroeste do Paquistão, que sofrem graves problemas psicológicos. “A prolongada guerra deixou sequelas na maioria dos moradores das Áreas Federais Administradas Federalmente (Fata), especialmente nas mulheres”, afirmou o professor Syed Mohammad Sultan, do departamento de psiquiatria do Hospital de Clínicas de Khyber (KTH).

Localizada entre as províncias paquistanesas de Khyber Pakhtunkhwa e Balochistão na fronteira com o Afeganistão, as Fata são integradas por sete agências (distritos tribais) e seis regiões fronteiriças, com população de 3,3 milhões de pessoas, a maioria de distintas tribos pastun.

Das 15 mil pessoas originárias das Fata tratadas por profissionais o KTH no ano passado, 9.833 eram mulheres, informou Sultan à IPS. “Muitas perderam familiares ou amigos para o exército ou para os combatentes do Talibã”, o movimento islâmico afegão, acrescentou. A Organização Mundial da Saúde (OMS) informou que, no ano passado, foram identificadas 451.377 pessoas, entre elas 345.899 mulheres, com problemas psicológicos nas Fata.

O médico Jamal Shah, que trabalha com a OMS, declarou à IPS que os profissionais examinam os pacientes das Fata para identificar problemas psicológicos, pois muitas pessoas desse território têm tendência a sofrer depressão devido à perda de seres queridos e de propriedade. A maioria das mulheres tratadas no KTH recebe antidepressivos e tranquilizantes, além de terapia psicológica, explicou Sultan.

Mushtari Bibi, de 45 anos e moradora da agência do Waziristão do Norte, chegou ao KTH com profundo trauma devido a um disparo de morteiro que atingiu sua casa e matou seu filho de dez anos. “Chora todas as noites e não consegue dormir se não tomar um tranquilizante”, detalhou o médico.

Rekhana Bibi, da agência Khyber, disse à IPS que seu filho Abdul Salam, que estava na nona série, saiu de casa uma tarde de janeiro e ninguém mais o viu. “No dia seguinte, encontramos seu corpo crivado de balas jogado perto de nossa casa por desconhecidos”. Esta mulher de 49 anos, que recebe tratamento no KTH, contou à IPS que seu marido também morreu, há dois anos, quando ficou em fogo cruzado entre o exército e combatentes do Talibã.

O primeiro-ministro, Yousaf Raza Gillani, afirmou em entrevista coletiva em Islamabad que, desde 2005, cerca de 35 mil pessoas, incluindo cinco mil soldados, morreram devido ao apoio logístico e militar dado pelo Paquistão à guerra. E, após a morte de 24 soldados em ataques aéreos por parte dos Estados Unidos, no dia 26 de novembro de 2011, Islamabad fechou a fronteira com o Afeganistão e exigiu um pedido de desculpas que, de forma deliberada, Washington se nega a dar.

O legislativo Comitê sobre Segurança Nacional voltou a cobrar, no dia 12, um pedido de desculpas, o que colocou como condição para reabrir a fronteira. O órgão também pediu o fim dos ataques com aviões não tripulados nas Fata, onde, acredita-se, estejam escondidos os dirigentes do Talibã. Segundo o Escritório de Investigação Jornalística, com sede em Londres, morreram mais de 2.500 pessoas nas Fata e em áreas vizinhas desde que começaram os ataques com esse tipo de avião, em 2004.

Os ataques só pioraram os traumas da população local, um destino turístico idílico até o final de 2001, quando o Talibã começou a cruzar a fronteira após ser expulso de Cabul pelas forças da coalizão liderada pelos Estados Unidos. Uma vez escondido nas Fata, o Talibã lançou uma campanha terrorista contra a população local, atentando contra comércios de música, escolas femininas e prédios estatais, o que levou o exército paquistanês a realizar ações militares em 2007. “Nossa gente está presa entre o exército e o Talibã, e isto tornou miserável a vida do cidadão comum”, afirmou Salima Bibi, que perdeu o marido e os dois filhos por esse motivo.

O escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) informou em um comunicado à imprensa, divulgado no dia 30 de março, que mais de cem mil pessoas tiveram que abandonar suas casas desde janeiro, principalmente na agência Khyber, devido ao “aumento na intensidade dos combates”. O acampamento de refugiados de Jalozai, fora de Peshawar, abriga 62.818 pessoas, segundo o Acnur. “A maioria abandona a agência de Khyber e opta por viver com amigos e familiares”, esclareceu o comunicado.

A instabilidade faz com que as mulheres das Fata não possam participar de acontecimentos sociais como casamentos ou cerimônias religiosas, que fomentam a coesão nas comunidades tribais, segundo vários psiquiatras consultados. Médicos do estatal Hospital Sarhad para Doenças Psiquiátricas (SHCD), com sede em Peshawar, confirmaram que muitas mulheres das Fata sofrem depressão e ansiedade devido à deterioração da segurança e à violência.

“No ano passado, recebemos 49 mil pacientes, sendo 9.432 mulheres das Fata”, disse a psiquiatra Naureen Wakeel. “Os problemas que sofrem exigem um forte apoio familiar e social, além de assistência médica”, esclareceu. Lubna Hassan, presidente da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia do Paquistão, estima que 50% das mulheres grávidas nas Fata sofrem estresse, depressão e traumas.

“No mês passado, atendemos 3.455 grávidas de diferentes áreas das Fata e descobrimos que quase todas precisam de assistência psicológica”, declarou Lubna. “As grávidas não devem sofrer estresse para poderem dar à luz bebês sãos”, enfatizou. “Estas mulheres, acostumadas a viver em verdadeiros lares, agora vivem em barracas de campanha ou abrigos provisórios em escolas devido às operações militares”, ressaltou. Envolverde/IPS