Kampala, Uganda, 8/10/2013 – Helen Baleke começou a lutar boxe aos 16 anos, depois de ser atacada por um homem no bairro de Katanga, na capital de Uganda. Agora, é uma das mais experientes das amadoras desse esporte em seu país. “Me bateu tanto que comecei a chorar e sangrar pelo nariz”, contou à IPS por meio de um intérprete da língua local, luganda. Baleke, agora com 24 anos, vive com outros 23 familiares em uma choça de barro. “Vim da minha aldeia (no distrito de Kayunga) para Kampala com meu orgulho, e acreditando que nenhum homem poderia me bater”, afirmou.
Essa jovem sempre gostou de lutar, “mesmo quando estava na escola”. Depois de ser atacada, o Clube de Boxe Rinoceronte, em Katanga, a liberou do pagamento da mensalidade de US$ 8 para que pudesse treinar. Baleke passou três semanas aprendendo boxe e depois foi procurar seu atacante. Quando o encontrou, se vingou. “Busquei esse homem para mostrar que realmente podia me defender”, afirmou.
Hoje, Baleke já conta com três medalhas ganhas em 14 lutas realizadas em Uganda e no Quênia. Ela e sua meia-irmã, Diana Tulyanabo, de 20 anos, treinam todos os dias em Rinoceronte, acompanhadas de Lydia Nantale, 17 anos, e Maureen Nakilyowa, de 23, que também vivem no assentamento. Várias outras ugandenses se mostram promissoras no quadrilátero. Agnes Adong, Hawa Daku, Eva Zalwango e Fiona Tugume, além de Baleke e Tulyanabo, apresentaram pedidos para serem as primeiras mulheres integrantes da Comissão de Boxe Profissional de Uganda.
O vice-presidente desse órgão, Salim Saad Uhuru, está convencido de que as mulheres podem obter grandes êxitos nesse esporte se tiverem mais apoio. “Podemos enviar uma mulher representando Uganda aos Jogos Olímpicos, sem dúvida. Vamos treiná-las para serem as melhores”, afirmou. Contudo, Uhuru, que também é vice-presidente para o Distrito de Kampala Central do governante Movimento de Resistência Nacional, disse que a corrupção está prejudicando o potencial das atletas.
“Culpo o Ministério de Esportes. Nos abandonou completamente, os funcionários que foram aos últimos Jogos Olímpicos eram mais numerosos do que os atletas. Isso é um absurdo”, ressaltou Uhuru. Uganda levou 16 desportistas aos Jogos Olímpicos de Londres no ano passado, dos quais 12 participavam pela primeira vez nesse nível de disputa. Porém, as mulheres de Katanga, bairro onde se estima viverem cerca de 20 mil pessoas, enfrentam outras dificuldades além da corrupção.
Os casamentos e a gravidez precoces, além dos ataques sexuais, são problemas de todos os dias, contou Juliet Segujja, diretora do Clube de Crianças de Kampala, a única organização não governamental que trabalha em Katanga, onde também reside. “A maioria das mulheres jovens simplesmente sai às ruas para conseguir dinheiro dos homens”, acrescentou Segujja, de 23 anos.
A vida tem complicações a mais para as mulheres que querem praticar boxe. Nakilyowa, também de 23 anos, é mãe solteira de quatro filhos. Para treinar precisa fazer malabarismos com seus horários. Baleke e sua irmã se dedicam a coletar casca de banana, que sua mãe vende na beira da estrada perto de Katanga como alimento animal por um dólar o pacote.
Contudo, apesar das dificuldades, elas sonham com a glória olímpica. Vários pugilistas ugandenses masculinos tiveram sucesso em nível mundial. Kassim Ouma é um ex-campeão júnior dos pesos médios da Federação Internacional de Boxe, e Joseph Lubega foi medalha de prata nos Jogos da Commonwealth. John “A Besta” Mugabi e Eridad Mukwanga ganharam medalhas de prata em competições olímpicas, enquanto Leo Rwabwogo conseguiu a de bronze.
Porém, nenhuma boxeadora ugandense jamais foi aos Jogos Olímpicos. E Natalie “Sugar” Brown, pugilista canadense peso super leve, que nunca visitou a África nem conheceu suas colegas ugandenses, gostaria de mudar essa realidade. A esportista pensa em viajar a Uganda no final deste ano para se converter na mentora de Baleke e Tulyanabo, como parte do Projeto de Mulheres Boxeadoras de Kampala.
Trata-se de uma iniciativa de longo prazo lançada por Lori Steinhorst, presidente da Bad Girls Boxing e Classic Women Warriors, duas organizações com sede em Washington que aproximam boxeadoras amadoras de Uganda e pugilistas profissionais norte-americanas, com a finalidade de preparar as primeiras para os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro.
“Gostaria de ajudar as boxeadoras de Uganda, transmitindo minha experiência e meus conhecimentos, para que aprendam o esporte e ganhem todos os benefícios dentro e fora do ringue”, declarou Brown à IPS. Ela e Steinhorst, juntamente com Mary “Desapiedada” McGee, ex-campeã norte-americana peso leve, viajarão a Uganda para selecionar as atletas com as quais trabalharão. As três contam com a colaboração “nos bastidores” da aposentada campeã mundial Laila Ali, filha da lenda do boxe mundial, Mohammad Ali.
“Não temos ideia se elas (Baleke e Tulyanabo) são atletas de elite com potencial para o nível olímpico. Isso vamos constatar. Mas pode haver outras boxeadoras que também estejam trabalhando para essa meta. Neste momento, nada sabemos”, afirmou Steinhorst à IPS. Se algumas atletas cumprirem os requisitos para os Jogos, suas mentoras iniciarão uma campanha de coleta de fundos para levá-las aos Estados Unidos, onde as condições de treinamentos serão muito diferentes das que estão acostumadas.
Baleke, Tulyanabo, Nantale e Nakilyowa receberam doações para adquirir seu equipamento nos últimos anos. No entanto, ainda praticam regularmente com apenas um par de luvas para todas. Geralmente, devem se limitar ao boxe de sombra por falta de acessórios adequados para treinar. Também enfrentam outro grande problema que ameaça atrasar seu desenvolvimento profissional: a falta de competições.
“Não temos adversários confiáveis”, explicou Baleke, que não participou de nenhuma luta em 2012 e agora busca dinheiro para competir em Mombasse, no Quênia, no final deste ano. “Quando tem luta marcada, o oponente não aparece. Pode ser muito desanimador. Queremos lutas sérias, profissionais. Quero descobrir se realmente tenho talento. Posso ser derrotada ou sou uma campeã?”, se pergunta. Envolverde/IPS