Cidade do Cabo, África do Sul, 15/8/2011 – A mortalidade materna cresceu mais de quatro vezes desde 1990 na África do Sul, devido principalmente a controles pré-natais inadequados, negligência e até discriminação contra mulheres portadoras de HIV. Em toda a África subsaariana, a mortalidade materna foi reduzida em um quarto, em comparação com os níveis de 1990. Contudo, a economia mais avançada do continente caminha na direção oposta: a África do Sul passou de 150 para 625 mortes maternas para cada cem mil nascimentos de bebês vivos.
O primeiro registro corresponde a 1990 e o segundo consta de seu informe de 2010 de avaliação quanto aos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, da Organização das Nações Unidas (ONU). “O HIV (vírus causador da aids) é um grande fator de mortalidade materna na África do Sul”, disse a pesquisadora Agnes Odhiambo, da organização Human Rights Watch (HRW). É possível que, no passado, as mortes tenham ficado sem registro, mas agora foram somadas todas, acrescentou. De todo modo, destacou que há “negligência”, e que “o atendimento de má qualidade é um grande problema”.
Entre agosto de 2010 e abril deste ano, a HRW entrevistou 157 mulheres que precisaram de atendimento materno no sistema de saúde pública na província de Cabo Oriental. Os pesquisadores também visitaram 16 clínicas em distritos que o Departamento Nacional de Saúde identificou entre os de maior proporção de mortalidade materna no país, e conversou com trabalhadores, hierarcas e especialistas do setor. O estudo “Deixem de procurar desculpas: a responsabilidade pelo atendimento à saúde materna na África do Sul” revela um panorama de sério abandono.
O documento apresenta casos de mulheres que chegaram a hospitais em pleno trabalho de parto e foram enviadas de volta para casa sem ao menos serem examinadas, de enfermeiros que as ignoraram ou as fizeram esperar horas e até mesmo dias, de mulheres que sofreram abusos físicos e verbais por parte do pessoal do hospital, e de outras obrigadas a trocarem seus próprios lençóis ou carregarem seus recém-nascidos por todo hospital quando ainda estavam fracas após darem à luz.
Mulheres portadoras do HIV procedentes de outras partes da África também informaram que foram discriminadas. “Para mim, isto é falhar com as mulheres”, disse Odhiambo. “Falha-se com uma mulher quando esta perde seu bebê e ninguém se preocupa em explicar-lhe o que causou essa morte. Ou quando ela é obrigada a limpar o próprio sangue, ou é obrigada a dormir na mesma cama que os bebês apenas três horas depois de uma cesariana, quando ainda não está suficientemente forte”, acrescentou.
O secretário provincial da União Nacional de Trabalhadores da Educação, Saúde e Afins em Cabo Oriental, Xolani Malamlela, admitiu que o desempenho dos funcionários da saúde às vezes não é suficiente, mas disse que o sindicato avaliou que o problema começa por uma mal manejo das instituições de saúde. Malamlela acrescentou que é frequente o pessoal se ver sobrecarregado de trabalho e muitas vezes não receber em dia, o que é desmoralizante.
Também afirmou que as políticas de compras que centralizaram o controle das existências de remédios e equipamentos na capital provincial privaram hospitais da capacidade individual de administrar suprimentos vitais. “Porém, não se pode negar que em todos os lados é possível encontrar pessoal insensato. E nós também devemos incentivar nossos membros a não tratarem os pacientes de maneira muito insensata”, disse Malamlela.
O informe de Odhiambo critica a falta de ação em relação às queixas, não somente em sancionar trabalhadores da saúde individualmente, como também em reconhecer problemas do sistema em geral que contribuem para os abusos e o abandono. Segundo ela, as autoridades sanitárias da África do Sul são negligentes em outro plano, ao deixar de coletar informação detalhada sobre a mortalidade materna que ajude a orientar as políticas.
O país não realiza uma Pesquisa de Demografia e Saúde desde 2003, por exemplo. Argumenta-se que a demora se deve ao seu alto custo, mas países com menos recursos têm estatísticas mais atualizadas. “Nossos sistemas de saúde são deficientes”, afirmou Marion Stevens, parteira e integrante da organização Mulheres pelos Direitos e pela Saúde Sexual e Reprodutiva. Ela considera que a principal causa de mortes maternas é o HIV/aids, mas que o Departamento Nacional de Saúde não se concentra adequadamente na pandemia.
Por exemplo, não se diz às mulheres que precisam fazer exames pré-natais até a vigésima semana de gravidez, porque as clínicas estão lotadas de pacientes. “Então, se as mulheres estão doentes durante a gravidez querem ficar bem, ou se são HIV positivas, ou se querem praticar um aborto, chegam muito tarde, e isto é problemático”, disse Stevens.
O sistema de saúde da África do Sul não é adequadamente controlado pelos pacientes, disse Odhiambo. “Muitos dos controles sobre o que está ocorrendo são feitos do ponto de vista de um provedor, mas é preciso que os pacientes digam o que não funciona”, ressaltou. Segundo ela, isto pode ajudar a romper a barreira que separa os trabalhadores da saúde dos usuários do sistema.
“Os trabalhadores da saúde sentem-se alvo das queixas dos pacientes, mas isto se deve ao fato de o mecanismo não ser usado como deveria”, disse Odhiambo. “Se as queixas dos pacientes fossem adequadamente implementadas, os usuários e os trabalhadores da saúde deveriam ser amigos, unir forças e pressionar o governo para que realize as mudanças necessárias”, acrescentou. Envolverde/IPS