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Na Costa do Marfim faltam antirretrovirais e sobra estigma

Uma trabalhadora da saúde explica a transmissão sexual de infecções na clínica de planejamento familiar de Yopougon, na Costa do Marfim. Foto: Kristin Palitza/IPS
Uma trabalhadora da saúde explica a transmissão sexual de infecções na clínica de planejamento familiar de Yopougon, na Costa do Marfim. Foto: Kristin Palitza/IPS

 

Abidjan, Costa do Marfim, 13/11/2013 – No centro de saúde da comunidade de Cocody-Anono, no sudeste da capital econômica da Costa do Marfim, Abidjan, Bertine Bahi* assiste a um curso sobre prevenção da transmissão do vírus HIV de mãe para filho. Um exame de HIV (vírus causador da aids) deu positivo quando Bahi estava grávida de três meses. Em outubro, essa mulher de 32 anos já estava no quinto mês de gestação e ainda não havia contado sua situação ao marido.

“Apesar dos conselhos da parteira, é difícil dizer contar para meu marido. Se o fizer, me porá para fora de casa. Agora, quando consigo medicamentos antirretrovirais tomo escondida”, afirmou Bahi. Para Suzanne Asseman*, trabalhadora do lar de 37 anos que vive em Agboville, sul do país, disseram que tinha HIV em junho de 2012. Ela precisa viajar 80 quilômetros para chegar a Abidjan, onde recebe os remédios que a mantêm saudável. Isto não é fácil, porque Asseman está grávida de sete meses.

Quando obteve os comprimidos antirretrovirais em outubro, havia perdido cinco semanas de tratamento. Esses remédios devem ser tomados diariamente, pois do contrário não são efetivos. Asseman sempre teve que esperar uma ou duas semanas para receber sua medicação, mas dessa vez a espera foi mais longa. Agora tem dúvidas sobre o tratamento. “Eu era reticente em receber antirretrovirais. Como vivo longe, o remédio acaba quando chega ali. Penso que é melhor deixar de tomar do que dar todas essas voltas”, explicou à IPS.

Rolande Yao, trabalhador social no Centro de Prevenção de Transmissão Mãe-Filho, da localidade de Attécoubé, acredita que o estigma está aumentando e que as frequentes alterações no fornecimento de antirretrovirais criam ainda mais dificuldades para as pacientes. Três em cada dez grávidas que vivem com o vírus na Costa do Marfim não fazem o curso preventivo, informa o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Onusida) em seu Informe de Progresso Global sobre a Aids 2013.

Os exames de HIV em grávidas têm repercussões nas relações do casal. “Quando um homem sabe que sua mulher é HIV positiva, costuma suspeitar que é infiel. Pode se negar a se submeter ao exame ou rejeitar a mulher”, contou Yao. Sete em cada dez mulheres são rejeitadas, estima. Apesar da intervenção do pessoal médico, há muitos maridos que se negam a que elas regressem.

O medo da rejeição empurra as grávidas soropositivas a mudar de centro de saúde ou manter silêncio. Outras são perdidas pelo sistema médico, simplesmente ignorando os cuidados pré-natais, se arriscando a transmitir o vírus para seus bebês. Segundo Cyriaque Ako, coordenador do projeto M2C (siglas que se referem à expressão “mãe e filho”, em inglês), em muitos desses casos as mulheres procuram curandeiros tradicionais.

A M2C trabalha em Yopougon, a comunidade mais povoada do país, perto de Abidjan, onde as mulheres preferem os curandeiros e muitas não ouviram falar dos programas de prevenção da transmissão mãe-filho, disse Ako. O projeto, que vai para seu segundo ano, pretende vincular as mulheres de 15 mil lares pobres a centros de saúde e de exames de HIV.

A prevalência desse vírus é de 3,2% nesse país da África ocidental de 20 milhões de habitantes, que se esforça para conter a epidemia e dar assistência às 450 mil pessoas que, segundo a Onusida, vivem com HIV. Já são visíveis alguns avanços modestos. A Onusida destaca uma redução na quantidade de crianças que se infectam a cada ano: eram 6.700 em 2009 e cinco mil em 2012. “Está baixando, mas não com a velocidade necessária”, afirma o Informe de Progresso Global.

Entretanto, organizações não governamentais que se dedicam a combater a aids se queixam de que, desde o fim da crise pós-eleitoral entre 2011 e 2012, as pessoas com HIV parecem ter sido abandonadas, o que se nota nas reiteradas alterações no fornecimento de antirretrovirais. Uma das principais causas da escassez é o colapso sofrido pelo sistema de saúde durante a crise política que durou uma década, começando com uma rebelião armada no norte e oeste do país e que derivou no conflito pós-eleitoral.

Nesse período, a comunidade internacional impôs embargos de armas e ao comércio em portos marfinenses (Abidjan e San Pedro), para obrigar o então presidente Laurent Gbagbo a abandonar o poder após sua derrota nas urnas. Não foi possível entregar os medicamentos importados da Europa, além disso, muitos centros de saúde foram saqueados e fechados durante os combates, segundo organizações não governamentais.

Yaya Coulibaly, presidente da Rede Marfinense de Pessoas que Vivem com HIV (RIP+, sigla em francês), disse que “os conselheiros comunitários e os médicos têm que mentir para os pacientes porque não há antirretrovirais suficientes nas farmácias do governo. Falta inclusive o nevirapine, receitado para prevenir a transmissão mãe-filho, acrescentou.

Coulibaly disse que às vezes os antirretrovirais sobram em certos centros de saúde, mas escasseiam em outros, o que indica um problema de distribuição. No Ministério da Saúde está em andamento uma modernização da farmácia, para melhorar o sistema de entrega desses medicamentos, afirmou. Isto ajudará mães como Asseman e Bahi a continuarem com o tratamento e se manterem saudáveis. Envolverde/IPS

* Nomes fictícios para proteger as identidades das entrevistadas.