Sociedade ainda não se deu conta da dimensão dos danos causados com extinção de espécies.
Biodiversidade sempre foi parte da economia. O que precisa mudar é a abordagem. A forma como os recursos naturais de fauna e flora entram em uma economia pautada pelos serviços ecossistêmicos é que deve se transformar. A floresta não pode ser valorada pelo metro cúbico de madeira, a terra não pode ser medida por área agrícola e a vida não pode ser contabilizada em uma métrica financeira.
De maneira geral, como tem sido demonstrado nos debates sobre biodiversidade promovidos na Conferência Ethos 2011, a sociedade é desinformada em relação ao colapso da vida no planeta. Nos últimos anos a volume de extinção de espécies, em quase todos os biomas, é alarmante. São animais e plantas que deixam de existir sem que ao menos tenham sido devidamente catalogados ou estudados. A estimativa mais aceita é de que 100 espécies, entre plantas, microorganismos, insetos e outros, desapareçam todos os dias. Por outro lado, existe um esforço de empresas em direção à transformação da diversidade biológica em valor para as empresas e para a sociedade. Afinal, é dela que surgiu tudo o que comemos e muito do que vestimos e utilizamos no cotidiano moderno.
Bráulio Dias, secretário de Biodiversidade e Florestas do MMA, explica que as pessoas ainda vêem biodiversidade como algo externo ao cotidiano, de forma exótica. “Está acontecendo aqui e Brasil tem compromissos internacionais para preservar as espécies”, explica. O Brasil é signatário da Conferência de Nagoia (Japão), onde, no final do ano passado 200 países se comprometeram a ampliar para 17% as áreas protegidas em todo o planeta. “A implementação disso é importante para deter o ritmo da extinção”, explica.
Da comunidade extrativista ao governo, passando por organizações da sociedade civil e por uma empresa de iniciativa pioneira no tratamento da biodiversidade, o quinto painel da Conferência Ethos trouxe a realidade de cada ator dessa questão.
Cláudio Maretti, líder da iniciativa amazônica da ONG WWF, conta que é importante entender os impactos da extinção de grandes animais exóticos, como o tigre asiático ou elefantes africanos, mas alerta que o perigo bem mais próximo, em nossos quintais, nos mananciais onde coletamos a água de nossas cidades.
Para Helena Pavesi, gerente de política ambiental da Conservação Internacional no Brasil, essa incompreensão resultou na perda de 35% dos mangues do planeta, na total extinção das florestas em 25 países e na completa degradação de 50% das áreas úmidas da Terra. Do mesmo modo, 30% dos recifes de corais do mundo chegaram a um ponto em que a recuperação é impossível.
Conhecimento faz diferença
Em uma economia verde, a utilização de recursos da biodiversidade com aplicação de conhecimentos tradicionais e ciência pode ser um diferencial de muito valor. “Nossa política de valoração da biodiversidade se tornou um diferencial no mercado”, explica Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos da Natura. Nos últimos dez anos, a empresa passou a levar conhecimento tradicional das comunidades amazônicas e o uso sustentável de sua biodiversidade para o centro de estratégias de seu negócio.
Quem torna possível a produção também se mostra satisfeito com essa lógica. Presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, Manoel Silva da Cunha a geração de valor dessa relação. “Entendemos que a parceria da Natura com as comunidades é importante para a conservação da biodiversidade”, garante Manoel, extrativista e morador de Carauari (AM). Ele conta que quem vive não só “no ambiente”, mas “do ambiente”, respeita a biodiversidade e os ciclos naturais por uma questão de sobrevivência. “Eu só como peixe e carne silvestres, não há supermercado”, relata. Portanto, não há nenhum interesse em superexplorar essas populações de animais.
Mas como a indústria supre a demanda de mercado sem ultrapassar o limite desses ciclos naturais? “Está aí a questão de 1 milhão de dólares”, brinca Guttilla. Ele ilustra como a Natura conseguiu superar esse dilema. Ao lançar sua linha de produtos à base de pitanga, o sucesso imediato esgotou os estoques. “Voltamos lá no fornecedor e pedimos mais matéria-prima, mas ele simplesmente nos olhou e disse: ‘é só voltar na próxima safra’. Assim fomos construindo, com nossas 1 milhão de consultoras e 50 milhões de consumidores, o conceito de safra.” Isso significa retomar os ritmos naturais como parâmetros para a exploração econômica.
Isso significa conscientizar seu público de que há épocas para a produção natural de determinadas matérias-primas e que, no momento de entressafra de um produto, é plenamente possível substituí-lo por outro de mesma qualidade. O case mostra que o respeito ao tempo da natureza garante a perenidade dos recursos naturais, das culturas tradicionais. E ainda pode ser a base da economia verde.
A construção de valores a partir de elementos da biodiversidade é um dos principais paradigmas da economia verde. A natureza pode ser a grande supridora de biomassas para manter com qualidade na Terra 10 bilhões de pessoas, segundo o economista Ignacy Sachs, mas isso somente pode ser feito com conhecimento, ciência e consciência dos limites impostos pelos ciclos naturais.(Envolverde)
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* Publicado originalmente no site da Conferência Ethos 2011.