Uttarkashi, Índia, 31/7/2013 – Mais de um mês após as inundações que deixaram mil mortos e seis mil desaparecidos no Estado indiano de Uttarakhand, no Himalaia, o governo ainda não divulgou uma avaliação completa do impacto agrícola, gerando rumores sobre o alcance dos danos. Persistem as perguntas sobre quanto tardarão em apresentar resultados os esforços de restauração do solo e quando voltará a funcionar normalmente a economia agrícola, que no período 2012-2013 representava pouco menos de 11% do produto interno bruto (PIB) do Estado, de US$ 160 bilhões.
Nos dias 15 e 16 de julho, chuvas torrenciais e derretimento de geleiras no Himalaia causaram graves inundações, gerando caos em Uttarakhand, enquanto as principais correntes do sagrado rio Ganges tragavam ruas, casas e outras construções, gado e dezenas de peregrinos. O governo centra seus esforços quase totalmente em uma operação de emergência de resgate e alívio, coordenada pelas forças armada (até agora há 42 mil resgatados), e a situação dos agricultores é totalmente ignorada.
Especialistas da região afirmam que os cultivos de verão foram arrasados e que os estabelecimentos agrícolas não estão aptos para produzir uma colheita de inverno este ano. A temporada de semeadura do arroz, que coincide com o clímax das monções (de junho a setembro), atrasou devido às severas inundações dos arrozais causadas por chuvas e deslizamentos de terra.
Embora as áreas plantadas habitualmente sejam inundadas com a argila que desce das montanhas dos arredores devido ao derretimento de geleiras durante o verão e na temporada de monções anual, esta última calamidade criou uma zona de desastre que frequentemente é mencionada como “a terra dos deuses”.
“É possível que a camada superficial do solo tenha sofrido alteração por um tempo consideravelmente maior do que o esperado”, disse à IPS o ativista Ram Kishan, gerente regional de emergências para a Ásia meridional na organização não governamental Christian Aid, com sede na Grã-Bretanha. Este Estado do Himalaia, irrigado naturalmente por rios que se alimentam de geleiras, se orgulha de possuir uma grande diversidade agrícola.
Os rajma, ou feijões vermelhos, e as batatas são a dieta básica da população nativa de Uttarakhand, de dez milhões de habitantes, segundo o censo de 2011. Cultivos como de arroz, trigo, cevada, milho, legumes, batatas, frutas, verduras, flores, lentilha, especiarias, ervas e fungos pereceram submersos pelas inundações, enquanto os escombros causados por deslizamentos de terra comprometeram as pastagens dos 11,9 milhões de animais, entre vacas, novilhos, búfalos, ovelhas, cabras, cavalos, porcos, galinhas, frangos e outras aves.
“A estimativa inicial sugere que entre 25% e 30% dos cultivos foram afetados”, disse Kishan. Isto representa uma porção enorme da produção anual média, de 8,2 milhões de toneladas. Organizações não governamentais como a Christian Aid temem que o consequente aumento de preços de todos os produtos essenciais, como verduras, frutas, leite e derivados, cereais, lentilha e outros legumes, prejudique no curto prazo a família agrícola média.
No total, 753.711 hectares de terras agrícolas cultivadas foram inundadas ou arrasadas por completo pelos rio Mandakini e Alakananda. Ambos nascem no monte Gomukh da grande geleira Gangotri, no Himalaia. Mais de 65% dos habitantes de Uttarakhand, na maioria agricultores de subsistência com pequenas áreas abaixo de um hectare por família, dependem desta atividade, segundo a organização Aide et Action. Foram particularmente afetados os agricultores que dependem do turismo de safra para completar sua renda nos meses de monções.
Uttarakhand é um destino popular de turistas locais e estrangeiros na mesma proporção. “Para o atual ano fiscal esperava-se a chegada de 47 milhões de turistas internos e meio milhão de estrangeiros”, disse Shejar Ambati, da Aide et Action. Mas as inundações causaram erosão desta base econômica, acrescentou. A indústria do turismo é um dos maiores empregadores da região, contratando gente do lugar como carregadores, guias, motoristas e tradutores, por exemplo. Outros alugam mulas, oferecendo aos turistas trilhas pelo rochoso terreno a fim de ganhar o pão de cada dia.
A economia turística também mantém artesãos locais e fabricantes de artesanato tradicional, gera empregos na área gastronômica por meio do setor hoteleiro e permite que as famílias criem pequenas empresas como casas de chá, lojas de lembranças ou de comida. Ambati teme que a destruição do “salva-vidas do turismo religioso” se converta em uma bola de neve, afetando a quantidade de turistas que chegam à região e pondo em risco maior ainda a renda dos agricultores.
Citando pequenos empresários e verdureiros do principal mercado de Rudrapravag, Eila Jafar, da Care India, disse à IPS que os cultivadores já começam a sentir o impacto dos magros rendimentos agrícolas. “A quantidade de diaristas que chega ao mercado principal caiu em grande parte”, afirmou. As estradas se deterioraram muito desde as inundações. Algumas ruas foram arrasadas e outras ficaram intransitáveis pelos escombros, o que tem “impacto muito negativo sobre o mercado e a economia”, destacou Jafar. Os agricultores que dependiam da infraestrutura turística para vender seus produtos estão entre os mais prejudicados.
“A Câmara de Comércio e Indústria estadual estima que, neste ano fiscal, Uttarakhand perdeu cerca de US$ 20 bilhões só no setor turístico, devido às chuvas torrenciais que devastaram o Estado”, pontuou Ambati. Como é improvável que o turismo se recupere pelo menos nos próximos dois a três anos, a situação exige a “intervenção” do governo para garantir que os agricultores tenham segurança alimentar e meios de sustento no curto prazo. Envolverde/IPS