Anders behring Breivik teria agido sozinho ao massacrar 76 pessoas na Ilha de Utoya e em um centro administrativo de Oslo, ambos na Noruega, sexta-feira 22. Enquanto isso, o advogado desse católico fundamentalista, motivado a lutar contra marxistas e muçulmanos e contra a islamização da Europa, prepara a defesa do cliente com base na sua alegada insanidade. Mas constituiria alívio para os habitantes do país e de toda a Europa saber que a chacina foi um caso isolado, como acreditam os serviços de segurança, e seu autor, um desequilibrado jovem branco norueguês de 32 anos?
O fato é que, louco ou não, tenha ou não agido sozinho, Behring Breivik jamais poderia ser considerado um caso isolado. Há uma ação política a sustentá-lo, praticada por líderes governamentais em busca de votos. “E o verdadeiro perigo é querer responder a uma xenofobia de extrema–direita caminhando em sua direção”, disse a CartaCapital em Bruxelas, poucas semanas atrás, Daniel Cohn-Bendit, principal ator na Paris de maio de 1968. Atualmente deputado dos verdes no Parlamento Europeu, Cohn-Bendit raciocinava que, baseados nessa ideia de excepcionalidade da ação direitista e preocupados em ganhar o voto da crescente fatia do eleitor com tal perfil, os líderes europeus abandonaram o combate à islamofobia, priorizando a luta contra a imigração e a guerra contra o terrorismo iniciada por George W. Bush. A retórica de partidos populistas, a estigmatizar os muçulmanos, domina o palco político.
Teriam os tabloides, a chamada “fascistosfera” da internet e os intelectuais rea-cionários, como o francês Alain Finkiel-kraut, influenciado a ação terrorista de Breivik? Nos primeiros momentos da chacina, quando tudo indicava se tratar de um ato de extremistas islâmicos, o presidente norte-americano Barack Obama e o primeiro-ministro britânico David Cameron manifestavam, em habitual condicionamento pavloviano, sua solidariedade à luta da Noruega contra o terrorismo. Mas logo vieram à tona as primeiras imagens do terrorista, loiro, alto e de olhos azuis. Era ele quem massacrava jovens compatriotas de olhos claros como os seus, mas culpados, segundo o terrorista acreditava, por pertencerem a uma agremiação esquerdista em prol da integração social dos estrangeiros. Cameron e vários outros líderes ficaram desnorteados.
Sem deixar de combater o terrorismo, seria o momento de partir para uma cruzada contra a islamofobia? Por ora, são muitos os motivos para acreditar que essa ação não ocorrerá. Na Itália, Francesco Speroni, ex-ministro do premier Silvio Berlusconi e expoente da Liga Norte, a legenda xenófoba e separatista do país, disse: “As ideias de Breivik defendem a civilização Ocidental”. Menos graves, mas a refletir as obsessões contra o Islã, têm sido as observações contra o multiculturalismo feitas por Cameron, pela chanceler alemã Angela Merkel e pelo próprio Berlusconi.
Em fevereiro, o premier britânico anunciou que seu governo começaria a lidar com extremistas ditos “não violentos”. A seu ver, militantes com esse perfil influenciariam seus pares inclinados à violência. Quem seria mais perigoso, o intelectual dito “extremista” que incita mulheres e homens a participarem de atentados como estrategistas ou os executores de massacres contra inocentes? Todos, sugere Cameron, deveriam ser colocados no mesmo saco. Mas como distinguir intelectuais “extremistas” meramente críticos daqueles partidários, a incitar seus seguidores a passar da palavra à ação?
Em queda de popularidade, Berlusconi também busca votos ao reafirmar o perigo islâmico, mas seu sucesso na empreitada se reduz cada vez mais. Cohn-Bendit lembra, a esse propósito, as recentes eleições municipais no país. Durante a campanha para o pleito, o premier italiano alardeou que, caso a esquerda ganhasse em Milão, mesquitas brotariam do solo como ervas daninhas. “Mas a cidade natal de Berlusconi estava farta do primeiro-ministro e votou na oposição”, lembrou Cohn-Bendit.
A crise econômica iniciada em 2008 piorou o quadro no mundo globalizado. Com o advento da União Europeia, os governantes europeus sentiram-se enfraquecidos. “Não somente os povos europeus exigem mais de seus líderes. Houve uma transferência- de poder de governos soberanos para Bruxelas”, observa Mureike Kleine, da London School of Economics.
Essa perda de poder induz as lideranças a abrirem concessões para angariar votos. O presidente francês, Nicolas Sarkozy, empresta a política anti-imigratória de Marine Le Pen, líder da Frente Nacional. Filho de húngaro, Sarkozy fez eficiente campanha para expulsar os ciganos da França. Baniu a burca e o niqab. Muçulmanas não devem ser obrigadas a usá-las, argumentou. E obteve tácito apoio da maioria dos cidadãos.
Líderes como o francês tomam decisões ao sabor da opinião pública também devido ao fim dos grandes partidos políticos. Outrora, agremiações contavam com seus orgulhosos integrantes munidos de carteirinhas. Eram leais até os últimos dias. Mas mesmo o Partido Socialista Francês ou o Democrata Cristão e o Social-Democrata, na Alemanha, perderam a força. Nesse vácuo, adentraram agremiações menores, a defender programas mais explícitos. É o caso dos Verdes, mas também de partidos de extrema-direita-. Por tabela, a popularidade de Sarkozy e de seus homólogos dependem de questões outrora periféricas, como a da burca.
Nesse quadro, o Partido Frente Nacional, de Marine Le Pen, não atua sozinho no palco dos partidos extremistas, cada vez mais fortes. Mureike Kleine inquieta-se com o novo vagalhão dessas legendas. “Há dez anos, o problema existia em países como a Áustria. Mas agora a extrema-direita está se instalando em países onde esse fenômeno não ocorria”, diz Kleine.
O novo reduto extremista é a Escandinávia. Líderes como Timo Soini, dos Verdadeiros Finlandeses, recebem suficiente apoio para difundir suas ideias contra a imigração no seio da União Europeia. Marine Le Pen não está só. Hoje, ela pode ser considerada um pilar do movimento extremista europeu. Segundo enquetes de intenção de votos, se uma eleição presidencial fosse realizada hoje na França, ela repetiria, em 2012, o feito de seu pai dez anos antes, e chegaria ao segundo turno.
Ainda segundo Kleine, a crise financeira agravou o problema da Previdência Social e agora os governos precisam mudar seus sistemas com mais rapidez do que em outros tempos. “Isso cria sociedades de vencedores e perdedores e, por tabela, surge um potencial maior para a eleição de candidatos de partidos populistas”, afirma. Haveria ainda os problemas da identidade nacional em um mundo globalizado. E o fato de os países europeus terem se engajado em guerras no Afeganistão, no Iraque e na Líbia, com possíveis retaliações em forma de atentados, o que exacerbaria sentimentos nacionalistas nos povos europeus.
A extrema-direita se espalha sem cessar pela política europeia. O Partido do Povo Dinamarquês conferiu maior rigidez às leis migratórias do país. Os democratas suecos tiveram sucesso no pleito geral em setembro. Na Holanda, o Partido para a Liberdade (PVV) e seu líder Geert Wilders, de excêntrica cabeleira, gozam de grande influência. Segundo Wilders, sua grande paixão é o anti-islamismo. Em tempos de vacas magras, e de subsequentes níveis elevados de desemprego, imigrantes, especialmente os muçulmanos, não são bem-vindos, reciclados como bodes expiatórios.
O fato de Behring Breivik, armado até os dentes, ter caçado por uma hora e meia os jovens integrantes de um congresso do Partido Trabalhista, não deixa muitas dúvidas sobre sua condição mental. Ele preparou a chacina durante um ano e meio e escreveu um manifesto de 1.500 páginas sobre a ideologia católica fundamentalista que adotou. Contudo, demente ou não, o norueguês foi influenciado por uma retórica extremista disseminada até por líderes conservadores como Sarkozy, Cameron e Berlusconi.
Behring Breivik, responsável pelas mortes de 76 jovens, foi influenciado pela chamada “fascistosfera” e por intelectuais. Decepcionado com seu partido político, o reacionário Partido Progressista (FrP), o segundo maior no Parlamento, o norueguês passou a contatar grupos extremistas na internet. Segundo Breivik, o partido não fazia o suficiente para combater a imigração e, em particular, o ingresso de muçulmanos na Noruega. O inimigo passou então a ser seu próprio país, à semelhança do que ocorrera com Timothy McVeigh, responsável pela morte de 168 pessoas durante a explosão de um edifício federal em Oklahoma, em 1995.
O jovem norueguês posou com uniformes militares e armas na internet. Pode ter agido sozinho, mas esteve com extremistas no Reino Unido e os contatou pela internet. Behring Breivik cita em suas- argumentações, entre outros intelectuais, Finkielkraut. Ele escreveu, segundo diz: “A guerra contra o racismo gradualmente se metamorfoseia em uma falsa ideologia. E esse antirracismo será, no século XXI, aquilo que o comunismo representou no século anterior, uma fonte de violência”. Como diz Jean-Yves Camus, cientista político especializado em movimentos de extrema-direita, os ativistas políticos mais perigosos estão mesmo fora do sistema, na internet.
* Publicado originalmente no site da revista Carta Capital.