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Não é a mudança climática

O rompimento dos muros que tentam conter as águas, como este em Kiribati, frequentemente não tem ligação com a elevação do nível do mar. Foto: Christopher Pala/IPS
O rompimento dos muros que tentam conter as águas, como este em Kiribati, frequentemente não tem ligação com a elevação do nível do mar. Foto: Christopher Pala/IPS

 

Arawa, Kiribati, 25/9/2013 – A elevação do nível do mar, disparada pela mudança climática, não é a causa principal das inundações que acontecem em Kiribati, ao contrário do que alegam frequentemente suas autoridades. Os cientistas afirmam que a dragagem, as estradas elevadas e as variações meteorológicas naturais são responsáveis pelas frequentes inundações deste país insular do Oceano Pacífico.

Em várias conferências sobre mudança climática da Organização das Nações Unidas (ONU) e em uma entrevista em Tarawa, o presidente Anote Tong, porta-voz não oficial dos pequenos Estados insulares do Pacífico e do Índico, costuma dizer que os 103 mil habitantes em Kiribati lutam diariamente contra a elevação do nível do mar. O mandatário e outros funcionários do governo frequentemente apontam a grande erosão da faixa costeira do arquipélago e dizem que Tarawa está diminuindo na medida em que o mar sobe.

Um perfil de Tong publicado na revista norte-americana The Nation levou o título “Entrevista com um presidente que se afoga”. Em uma entrevista à IPS em seu escritório, Tong afirmou que “perdemos uma ilha inteira, toda uma aldeia foi evacuada, nossa água doce está contaminada e nossos cultivos estão morrendo”. Este país está “na frente na guerra da mudança climática e o tempo se esgota”, por isso é imprescindível contar com um plano de evacuação, destacou.

Porém, um estudo científico mostra que Tarawa Sul, onde vive mais da metade da população do país, está longe de desaparecer; na verdade, está aumentando. Uma série de medidas, como jogar areia coralina sobre arrecifes de águas pouco profundas para estender a terra, aumentaram em quase 20% o tamanho da ilha em 30 anos. Por outro lado, a superfície de Tarawa Norte, em grande parte despovoada, permanece estável. Outro estudo encontrou uma estabilidade semelhante em outros 27 atóis do Pacífico.

O ex-ministro do Meio Ambiente, Tetabo Nakara, disse que renunciou ao cargo porque Tong o obrigava a centrar suas políticas no reassentamento dos habitantes, em lugar de focar-se em enfrentar a erosão mediante melhor manejo da costa, que era a decisão mais adequada.

Cientistas do clima afirmam que o Pacífico central equatorial é a área do mundo onde o mar subiu mais rapidamente desde 1950: 5,9 centímetros apenas nos últimos 20 anos. Isso porque a atmosfera é aquecida por gases que prendem o calor, como o dióxido de carbono e o metano, que por sua vez esquenta o oceano, e as águas quentes ocupam mais volume do que as frias. Além disso, o derretimento das geleiras da Groenlândia e da Antártida verte mais água nos oceanos.

O conselheiro do presidente Tong para mudança climática, Andrew Teem, costuma mostrar aos visitantes exemplos do que, para ambos, são danos causados pelo aumento do nível do mar. “Construímos este muro há poucos anos para manter o mar afastado”, contou, apontando para um rompimento em um dique de abrigo na aldeia de Eita. “Desmoronou durante uma tempestade, e o dano só aumenta. É impossível ganhar”, acrescentou. Teem assinalou também outro ícone local dos efeitos da mudança climática: a ilha de Bikeman, na lagoa de Tarawa, antes coberta por coqueirais. Atualmente é uma linha apenas visível no horizonte, um banco de areia que desaparece quando sobe a maré.

A aldeia de Tebunginako, na ilha de Abaiang, a 15 minutos de voo, também é frequentemente mencionada como evidência de que o mar está subindo. Seus moradores mudaram suas moradias de teto de palha para meio quilômetro além da costa, depois que uma marejada arrasou um banco de areia que protegia a lagoa de água doce, inundando algumas casas e tornando impossível a agricultura.

No YouTube são muitos os documentários mostrando imagens das ondas quebrando sobre casas em Kiribati durante as tempestades de 2005. No entanto, os cientistas que estudaram este país afirmam que tais eventos têm pouco a ver com a mudança climática. O dique de Eita foi construído para proteger uma zona baixa de mangues, que foi preenchida com areia dragada para ser usada na construção de casas, pois mais e mais gente se mudava para Tarawa Sul. Contudo, essas muralhas estão mal projetadas, e as ondas arrastam a areia que está em sua base, fazendo com que desmoronem.

A ilha de Bikeman desapareceu na década de 1990 porque a construção de uma estrada elevada entre duas partes do atol bloqueou a entrada de areia vinda do oceano. Sem isso, a ação das ondas arrastou as areias de Bikeman para outras áreas do litoral, fazendo crescer suas praias. A aldeia de Tebunginako pediu ajuda para entender o motivo de a erosão ser pior ali do que em outras partes do atol. Os cientistas descobriram que uma passagem entre o oceano e a lagoa diante da aldeia se fechou há um século, privando a praia de novas areias.

As graves inundações de 2005 foram causadas pelo El Niño, fenômeno que não está relacionado com a mudança climática e que ocorre quando a água superficial do Pacífico esquenta mais que o normal perto da costa sul-americana. Suas repercussões meteorológicas têm escala planetária. O El Niño fez o nível do mar subir mais de 15 centímetros em Tarawa, disse o cientista climático Simon Donner, da canadense Universidade de Colúmbia Britânica. Desde então, não foi registrado nível semelhante, destacou em uma pesquisa publicada na Eos, a revista da União Geográfica dos Estados Unidos.

“Uma visita a Tarawa pode dar a falsa impressão de que está sujeita a constantes inundações devido à mudança climática”, explicou Donner à IPS. “Sem dúvida, experimenta uma elevação do nível marinho, mas as pessoas costumam atribuir os eventos atuais a essa tendência e frequentemente cometem erros elementares”. Em uma troca de emails, Donner observou que a erosão e as inundações “ocorrerão com maior frequência na medida em que subir o nível do oceano. Tong tem razão em dar o sinal de alarme agora, porque este não é um problema fácil de resolver”.

Donner comparou esta atitude com a dos Estados Unidos, onde se fala pouco e se faz pouco e nada diante da elevação do nível do mar. “Ninguém fala de deixar Miami. Mas, deveriam, porque o panorama de longo prazo é o mesmo ali também”, ressaltou. O último informe do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática prevê uma elevação do nível do mar entre 25 centímetros e um metro até 2100, dependendo do volume de emissões de dióxido de carbono. Envolverde/IPS