O marco dos 100 dias do governo Dilma Rousseff é simbólico, vale para numerólogos que adoram medições e cotejos, mas também sugere avaliações mais sossegadas, menos competitivas. Na pauta jornalística e na crucial questão da regulação da mídia percebe-se que a primeira centena de dias trouxe uma agradável distensão. Foi-se o estresse do confronto ideologizado, agora se descortinam brechas a partir das quais é possível estabelecer consensos.

As reações aos novos dados trazidos ao conhecimento público pela repórter Elvira Lobato, da Folha de S. Paulo, sobre as concessões para emissoras de radiodifusão desvendam o generalizado repúdio às velhas aberrações produzidas nos corredores do Congresso Nacional (ver “Laranjas compram rádios e TVs do governo federal”). O coronelismo eletrônico está caindo de podre, o que não constitui novidade. Novidade é a quase unanimidade em torno desta constatação.

Nova edição

A mídia deixou o canto do ringue onde estava encurralada, em compensação está longe de arbitrar, mediar, inspirar, instigar e servir de referência racional. Solta, parece mais endiabrada do que nunca. Antes vociferava alegando autoestima e autodefesa, agora vai ao paroxismo a propósito das mais insignificantes contrariedades. Sempre em grupo.

Antes tentava justificar-se envolvida na bandeira da liberdade de expressão; sem bandeira alguma agora espuma de raiva quando encontra um bode expiatório. Raramente em defesa do interesse público ou das grandes causas anônimas, geralmente por súbito mau humor ou mofadas idiossincrasias tiradas do fundo da gaveta.

O caso mais visível foi o da cantora-declamadora Maria Bethânia, mas a cada semana há um linchamentozinho, tipo treino, para não perder o hábito. Blogs e redes sociais têm sido acusados de fomentar a irracionalidade, mas o vitríolo também escorre nas vitrines de opinião dos grandes e médios veículos.

Desperdício retórico, esbanjamento de energia no momento em que o mundo, o país, a cidade, o bairro e a esquina clamam por debates, questionamento, indagações e – por que não? – aproximações.

A nova edição da Idade das Trevas reclama mais esclarecimento e menos dogmatismo. Cerca de dois séculos depois do Iluminismo, instrumentados pelo fabuloso ferramental para a difusão do conhecimento, estamos aptos a encarar os desafios de uma sociedade efetivamente aberta.

Interesse e ambições

A experiência brasileira em matéria de debates é exígua, os colonizadores nos mantiveram completamente cegos e surdos ao longo de trezentos anos graças à censura religiosa. A emancipação política foi discutida abertamente durante um brevíssimo período (quatorze anos, 1808-1822), sem condições de incluir aquela que seria sua complementação natural: a abolição da escravidão.

A República nos presenteou com três ditaduras e décadas de censura e, nos intervalos de normalidade, o debate não era propriamente um debate, mas um feroz enfrentamento em torno de egos e preconceitos.

Uma sociedade sem partidos, movida por interesses e ambições pessoais, mesmo montada em cima de minas de ouro só conseguirá tornar-se efetivamente rica quando souber o que aconteceu, por que está acontecendo e o que pode acontecer.

Mordidos de rancor, vociferantes, estamos longe disso.

*Publicado originalmente no site do Observatório da Imprensa.