Belfast, Irlanda do Norte, janeiro/2015 – Recentemente estive em Assis, a cidade natal de São Francisco e Santa Clara, dois grandes espíritos que inspiraram milhões e milhões de pessoas em todo o mundo.
São Francisco, um homem de paz, e Santa Clara, uma mulher de oração, transmitem desde a Idade Média uma mensagem de amor, compaixão, afeição pelos seres humanos, animais e pelo ambiente, que ainda hoje nos ilumina e nos comove.
Agora, no início do século 21, nossa geração enfrenta uma crescente violência e nos vemos obrigados a admitir que estamos indo pelo mau caminho, e precisamos de ideias e modelos alternativos para nos orientarmos com uma perspectiva global.
A paz é uma graça pela qual todos aspiramos, mas é apreciada particularmente por aqueles que vivem situações de conflitos violentos, de guerra, de fome e pobreza. A paz é um direito humano básico e universal.
Isso vale para todos os direitos humanos, independente de credos, religiões e etnia.
O amor ao próximo e o respeito por seus direitos é a base para estabelecer relações de cooperação e solidariedade, que são a condição para unir nossas forças a fim de encarar as ameaças de nosso tempo.
A pobreza é uma dessas ameaças, e o papa Francisco nos exorta a ajudar os pobres, bem como a propiciar a fraternidade entre os povos.
Estreitar os laços de fraternidade entre povos e nações é fundamental para que a paz possa prevalecer nesse mundo interligado e interdependente.
A violência engendra a violência. Portanto, cada um de nós deve optar entre a violência e a não violência.
Porém, se nosso sistema educacional e nossas instituições religiosas não difundem os valores da não violência, como podemos optar por ela?
Todas as religiões compartilham a grave responsabilidade de dar orientação espiritual e uma clara mensagem, sobretudo quanto às injustiças econômicas, à violência, ao militarismo e à guerra.
Minha fé cristã foi submetida ao dilema de viver em meio a um grave conflito étnico-político na Irlanda do Norte, presa entre a violência do exército britânico e a do Exército Republicano Irlandês (IRA), e de me confrontar com as perguntas: pode ser legítimo matar? Pode existir uma guerra justa?
Durante minha travessia espiritual, cheguei à absoluta convicção de que matar é um grave erro, e que a teoria da guerra justa é, para dizer com as palavras do sacerdote católico John L. McKenzie, “uma grosseira falsidade”.
E adotei o pacifismo, por acreditar que a vida humana é sagrada e não temos o direito de matar ninguém.
Creio que Jesus também foi um pacifista, e que, quando nosso amor e nossa compaixão pelo próximo amadurece, se torna impossível matar ou torturar alguém, não importa quem seja ou o que possa ter feito.
Compartilho as seguintes palavras de McKenzie: “Se não somos capazes de entender, lendo o Novo Testamento, que Jesus rechaçou toda forma de violência de maneira absoluta, então não entendemos nada de Jesus e de sua mensagem”.
Lamentavelmente, ao longo de 1.700 anos, as igrejas cristãs se abstiveram de divulgar a mais simples mensagem de Jesus: ame seus inimigos, nunca mate-os.
Nos três séculos seguintes à morte de Jesus, as primeiras comunidades cristãs observaram o mandato de Jesus sobre a não violência.
Lamentavelmente, nos 17 séculos seguintes, os cristãos se afastaram da doutrina cristã da não violência.
Foi um prolongado desvio teológico. Hoje em dia, os cristãos têm de rechaçar a teoria da guerra justa e desenvolver uma teologia coerente com a não violência pregada por Jesus.
Alguns cristãos ainda acreditam que a doutrina da guerra justa pode ser aplicada e justificar o emprego da violência, inclusive para apoiar governos que entram em guerra.
Trata-se de uma má teologia que deve ser rejeitada pelos líderes religiosos, que devem proclamar que a violência é alheia ao cristianismo, e que o armamentismo, nuclear ou convencional, o militarismo e a guerra, devem ser abolidos e substituídos por métodos humanos e morais de resolver nossos problemas, sem matarmos uns aos outros. Envolverde/IPS
* Mairead Maguire é militante pacifista e prêmio Nobel da Paz 1976.