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Narcotráfico deixa rastro de povoados fantasmas no México

Uma das ruas vazias do povoado de Santa Ana Del Águila, no município mexicano de Ajuchitlán Del Progreso, onde quase não resta ninguém, as casas e os negócios estão fechados, e muitos deles com sinais de terem sido baleados. Foto: Daniela Patrana/IPS
Uma das ruas vazias do povoado de Santa Ana Del Águila, no município mexicano de Ajuchitlán Del Progreso, onde quase não resta ninguém, as casas e os negócios estão fechados, e muitos deles com sinais de terem sido baleados. Foto: Daniela Patrana/IPS

 

Ajuchitlán, México, 6/2/2015 – O Cerro del Águila, que há dois séculos foi refúgio de insurgentes independentistas no México, agora é um reduto de grupos criminosos que disputam o controle do lugar e do próspero tráfico de papoula, deixando em sua passagem um rastro de povoados fantasmas. Desse morro pode-se observar quem entra ou sai de muitas comunidades da região, denominada Terra Caliente, e que se estende pela bacia do rio Balsas, no Estado de Guerrero, e em municípios vizinhos dos Estados de Michoacán e do México.

Esses Estados foram protagonistas da criminalidade associada ao tráfico de drogas durante 2014: Michoacán, por ser o Estado que armou as forças paramilitares, conhecidas como autodefesas, México, onde o exército executou ao menos 15 civis, e Guerrero, onde policiais municipais emboscaram e fizeram desaparecer 43 estudantes camponeses.

Em Santa Ana del Águila, um povoado nas ladeiras do morro que pertence ao município de Ajuchitlán del Progreso, mais da metade da população fugiu nas últimas semanas. Não há delegado, nem padre, nem encarregado do armazém da Cruzada Nacional Contra a Fome, o principal programa do governo federal para reduzir a pobreza.

As janelas das casas estão fechadas, bem como as portas dos estabelecimentos comerciais. O centro de saúde e as escolas foram fechados com cadeados. Só o colégio de ensino médio ousou abrir depois das férias de final de ano, com um alto custo: em 12 de janeiro, segundo dia de aulas, o professor foi sequestrado e seus familiares ainda não conseguiram reunir o dinheiro do resgate.

“Não tenho medo de morrer, mas me dói a forma com essa gente vai morrer”, disse à IPS um dos moradores locais que, ao menos no momento, continua na localidade, cuja população oficial é de 748 pessoas.

Ajuchitlán del Progreso e o vizinho município de San Miguel Totolapan são os mais assolados pela violência criminosa em Guerrero. Vários grupos, entre eles os muito violentos cartéis da Família Michoacana e Guerreros Unidos, lutam pelo controle territorial dessa região que é estratégica para o tráfico de papoula.

Em entrevista à IPS, o prefeito de Ajuchitlán, José Carmen Higuera Fuentes, admitiu que, desde 2007, os principais crimes do município são sequestro e extorsão. “Tento fazer o melhor, mas falta uma estratégia mais eficiente, mais operacional, com um verdadeiro trabalho de inteligência”, afirmou o prefeito, que não usa escolta, apesar de dois de seus antecessores – Raymundo Flores e Esteban Vergara – estarem desaparecidos desde 2013.

Como em muitos outros casos semelhantes de administradores ou sacerdotes, não há investigação nem denúncias. “Há muita simulação (das autoridades federais). O que acontece é o de sempre: se enche de policiais e soldados, mas nada acontece, não há detenções importantes. Eu já disse: não os queremos mais aqui, na cabeceira municipal, vão cuidar das comunidades, que é onde fazem grande falta”, declarou Fuentes.

Ajuchitlán tem 127 localidades espalhadas em quase dois mil quilômetros quadrados e uma população que antes do deslocamento forçado se aproximava dos 140 mil habitantes.

O México produz quase metade da heroína consumida nos Estados Unidos e nos últimos anos se converteu no principal fornecedor de derivados de ópio desse país, segundo a Avaliação Nacional das Ameaças das Drogas de 2014, da norte-americana Administração Federal Antidrogas (DEA). No informe anual sobre os principais países produtores e de trânsito de droga para os Estados Unidos, que o presidente Barack Obama enviou ao Congresso em setembro, a DEA indica aumento de 324% nas apreensões de heroína no México entre 2009 e 2013.

“Os Estados Unidos estão particularmente preocupados com o cultivo de papoula nos México, principal fornecedor de derivados do ópio”, afirma Obama no documento.

As áreas de cultivo de papoula no país ficam nos Estados à beira do Oceano Pacífico, desde Oaxaca, no sul, até Sinaloa, no norte, e parte da serra do vizinho Chihuahua.

Nas últimas três décadas Guerrero, um dos três Estados mais pobres do país, se manteve como principal produtor. Alguns especialistas afirmam que aqui são produzidos 40% dos opiáceos elaborados no México. Por isso, o controle de Tierra Caliente, com saída para dois portos, é fundamental. E também por isso Santa Ana del Águila e outras comunidades de Ajuchitlán e Totolapan se converteram em povoados fantasmas, e a cada dia surgem novos refugiados por causa da violência.

A última “onda” de enfrentamentos armados começou pouco depois do Natal, contaram à IPS moradores de Santa Ana e da vizinha Garzas. Mas o problema vem de longe. Os deslocamentos forçados maciços nessa região começaram em julho de 2013, quando um combate entre grupos forçou a fugirem 631 moradores apenas em Villa Hidalgo, uma das comunidades de Totolapan. No total, naqueles dias houve uma fuga em massa, de pelo menos 1.300 pessoas de sete comunidades, contou à IPS o prefeito de Totolapan, Saúl Beltrán Orozco.

A estatal e autônoma Comissão Nacional dos Direitos Humanos abriu uma investigação e, no informe especial sobre os grupos de autodefesa e a insegurança em Guerrero, apresentado em dezembro, documentou 2.393 casos de deslocamentos forçados entre meados de 2013 e 2014.

A segunda onda ocorreu entre março e julho de 2014. Em março, 136 pessoas do povoado de Linda Vista, também em Totolapan, caminharam sem alimento por quase um dia pela serra, até chegarem a outro município e daí a Chipalcingo, capital de Guerrero, onde pediram abrigo e foram alojados em albergues para vítimas das chuvas.

Três meses depois, civis armados entraram em localidades de diferentes municípios, incendiaram casas e sequestraram ou assassinaram moradores. Em uma delas, Atlayolapa, só restou um casal de idosos. Registros da imprensa local elevam para quatro mil os refugiados na região entre meados de 2013 e de 2014, e um deputado nacional assegura que passam de sete mil, dentro de outras cifras não verificáveis.

Em janeiro, depois do sequestro de sete pessoas, o comandante da 35ª Zona Militar, Juan Manuel Rico Gámez, confirmou oficialmente a instalação de um acampamento na cabeceira de Ajuchitlán, para resguardar suas comunidades de onde fugiram mais de mil habitantes nas últimas semanas.

Mas as forças federais – militares e policiais – saem pouco da cabeceira e são vistos passeando em sua praça, enquanto as pessoas comentam a cada dia sobre novos assassinatos, incêndios de casas e enfrentamentos em comunidades que estão a apenas 20 minutos da capital provincial.

“É muita simulação. Ninguém nos informa sobre o que estão fazendo”, protestou Higuera, ao criticar que as forças militares e policiais não patrulham as comunidades, onde acontecem os enfrentamentos. Higuera resumiu sua solidão na batalha com as máfias criminosas com uma expressão popular: “Antes só do que mal acompanhado”. Envolverde/IPS