Genebra, Suíça, 17/6/2011 – As dezenas de milhões de mulheres empregadas no serviço doméstico no mundo conquistaram legalmente o status pleno de trabalhadoras mediante o tratado adotado ontem na cúpula anual da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O Convênio, aprovado por maioria esmagadora na Conferência Internacional do Trabalho, que acontece em Genebra, declara que são trabalhadores as empregadas e os empregados domésticos, ressaltou o diretor-geral da OIT, Juan Somavia. “Elas não são criadas nem membros da família”, ressaltou.
Este é o ponto de destaque do Convênio sobre as Trabalhadoras e os Trabalhadores Domésticos e foi o maior obstáculo durante as discussões, disse à IPS Karin Pape, coordenadora da Rede Internacional de Trabalhadoras do Lar (IDWN). “Significa que não somos colaboradoras, criadas ou serventes. Naturalmente, nenhuma pode ser escrava. Somos trabalhadoras”, enfatizou Pape.
Somavia admitiu que, apesar de o Convênio receber aprovação de 396 votos a favor, 16 contra e 63 abstenções, a tarefa não foi fácil. Margin Oelz, jurista da área de condições de trabalho da OIT, explicou que as dificuldades surgiram por se tratar de um tema novo, que tinha como protagonista um setor de trabalhadoras e trabalhadores excluídos em muitos países das legislações trabalhistas por razões históricas e também culturais.
Portanto, esse obstáculo precisava ser superado e levou tempo. Basta recordar que a OIT, dirigida por um regime tripartite de governos, sindicalistas e empregadores, começou a cuidar do assunto em 1965. Agora, em um tempo relativamente curto de dois anos, forjou-se o consenso, disse Oelz à IPS. “Em primeiro lugar, vimos que muitos dos negociadores não concebiam o trabalho doméstico como um verdadeiro trabalho”, recordou. “Mas pudemos nos apoiar na experiência de alguns países, como a África do Sul, que imediatamente depois do fim do regime de segregação racial do apartheid, em 1994, adotou uma legislação para proteger as trabalhadoras domésticas”, explicou. Com esses antecedentes, finalmente chegou-se ao texto aprovado, que reconhece a este grupo de trabalhadores a dignidade e o respeito que merece, acrescentou Oelz.
O Convênio aceita que o trabalho doméstico continua sendo subvalorizado e invisível, é realizado principalmente por mulheres e meninas, em grande parte imigrante ou procedente de comunidades desfavorecidas. Trata-se de um setor particularmente vulnerável à discriminação com relação às condições de emprego e de trabalho, como também a outros abusos dos direitos humanos, diz o texto.
Em uma estimativa baseada em dados obtidos em 117 países, a OIT calcula que chegue a, pelo menos, 53 milhões o número de mulheres, meninas e homens ocupados no trabalho doméstico no mundo. Entretanto, devido à forma oculta com que frequentemente se realiza esta atividade, este número pode chegar a até cem milhões. Somavia afirmou que este novo Convênio vai ao coração da própria economia informal, setor onde o déficit de trabalho decente é mais acentuado. E as trabalhadoras domésticas não são exceção, ressaltou.
Por exemplo, estima-se que para 56% das trabalhadoras domésticas não existe uma legislação que estabeleça um limite para o período semanal de atividades que devem ser feitas e 45% carecem do direito a um dia de descanso semanal. O convênio obrigará os Estados que o ratificarem, e que ainda não incorporaram estas pautas à sua legislação, a conceder às trabalhadoras domésticas os direitos à liberdade sindical e de associação, bem como o reconhecimento da força da negociação coletiva.
Também deverão eliminar todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório, a discriminação em matéria de emprego e ocupação, e abolir efetivamente o trabalho infantil. Os Estados cuidarão para que as trabalhadoras domésticas sejam informadas sobre as condições de emprego, de preferência mediante contratos escritos que incluam os nomes de empregador e empregados, o tipo de trabalho a ser feito e a remuneração, o método de cálculo da mesma e a periodicidade dos pagamentos.
No contrato trabalhista constará, quando for o caso o fornecimento de alimentos e alojamento, bem como as condições de repatriação, além de férias anuais pagas e os períodos de descanso diários e semanais. O Convênio estabelece que os Estados-membros do tratado estão obrigados a estabelecer um mecanismo de inspeção do trabalho, com medidas que especifiquem as condições em que “se poderá autorizar o acesso ao lar, com o devido respeito à privacidade”.
Enfim uma vitória com o reconhecimento das trabalhadoras domésticas, exclamou Isabel García-Gill, especialista da IDWN. Agora o trabalho doméstico cabe aos governos, com a ratificação e aplicação do Convênio, disse à IPS. Apenas um governo, da Suazilândia, votou contra o projeto de convênio, enquanto se abstiveram os da República Checa, El Salvador, Grã-Bretanha, Malásia, Panamá, Cingapura, Sudão e Tailândia.
Junto com a Suazilândia votaram contra o convênio os representantes dos empregadores de 15 países, enquanto o único delegado dos trabalhadores que não votou a favor, abstendo-se, foi o do Egito. Os governos de Arábia Saudita, Bahrein, Bangladesh, Emirados Árabes Unidos, Índia, Indonésia, Kuwait, Omã e Catar criticaram o caráter vinculante do tratado durante as negociações, mas, finalmente, aderiram à maioria que aprovou o texto.
A secretária-geral da Confederação Sindical Internacional (CSI), Sharan Burrow, alertou na Conferência que o movimento operário continuará denunciando as condições trabalhistas das trabalhadoras domésticas imigrantes nos países do Conselho de Cooperação do Golfo, em particular de Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Catar. Borrow, que classificou a Convenção como “uma grande vitória”, destacou que as trabalhadoras domésticas imigrantes no Golfo Pérsico sofrem opressão e violência. Estas mulheres procedem principalmente de Bangladesh, Etiópia, Filipinas, Índia, Indonésia e Sri Lanka, acrescentou. Envolverde/IPS