Recordando: eu estava visitando um colégio em Portugal chamado Escola da Ponte, uma série de espantos. Para começar, o diretor entregara a uma menina de nove anos a missão de me mostrar e explicar a escola. A menina não se fez de rogada: conduziu-me à porta da escola, onde me informou que, para entender aquela escola, eu deveria me esquecer de tudo o que eu sabia sobre escolas. Para se aprender o novo, é preciso esquecer o velho.
Disse a seguir que naquela escola não havia aulas, professores “dando a matéria” nem separação dos alunos por adiantamentos. E nem engradamento do pensamento em horários. Sem nada entender, perguntei: “E como é que vocês aprendem?”. A menina me disse que tudo começava com a curiosidade, o desejo de aprender alguma coisa. Com o que concordei por experiência própria. A aprendizagem é como comer uma fruta tentadora, talvez um caqui… Há de haver desejo…
Aí formavam um grupinho de seis pessoas em torno desse objeto de desejo comum e convidavam um professor para ser companheiro de pesquisa. Esse professor nem precisava ter saberes sobre o tal objeto. O que se esperava dele é que soubesse descobrir o caminho… Tudo começava com uma pesquisa das fontes bibliográficas na internet. A partir daí, faziam um programa de trabalho de duas semanas e cada um fazia suas leituras, consultas e anotações a serem compartilhadas na avaliação, ao final das duas semanas.
Dadas essas explicações preliminares, a menina abriu a porta da escola e entrei.
Era uma sala grande, sem divisões, cheia das mesinhas baixas. As crianças trabalhavam nos seus projetos, cada uma de um jeito. Moviam-se livres pela sala, na maior ordem, tranquilamente. Ninguém corria. Ninguém falava em voz alta. Notei, entre as crianças, algumas com Síndrome de Down que também trabalhavam. As professoras trocavam ideias com as crianças. As crianças se moviam para consultar livros e computadores quando necessário. Não se ouvia a voz de professor gritando por silêncio. Nenhum pedido de atenção. Não era necessário. E ouvia-se música clássica, baixinho… Se não me engano, era música barroca.
À esquerda da porta de entrada havia frases escritas com letras grandes, afixadas na parede, relativas aos 500 anos da descoberta do Brasil. Perguntei: “E aquelas frases?”.
A menina explicou: “Os miúdos estão a aprender a ler. Aqui não começamos pelas letras ou pelas sílabas. Aprendemos totalidades…”.
Pensei que é assim que as crianças aprendem a falar. Elas não aprendem os sons para depois juntá-los em palavras. Aprendem palavras inteiras, pois somente palavras inteiras fazem sentido.
Pensei que é assim que se aprende a gostar de música. Nenhuma mãe ficaria solfejando notas soltas para adormecer o nenê. É preciso que os sons façam sentido. É preciso que haja melodia…
Aí ela continuou: “Mas é importante saber a ordem alfabética para se consultar o dicionário”. Como eu não conhecia preocupação didática semelhante articulada com tal clareza, preparei-me para aprender…
* Rubem Alves é educador, escritor, psicanalista e professor emérito da Unicamp.
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*** Publicado originalmente no Portal Aprendiz.