Foi no coração da Terra, na Amazônia, entre o chefe Raoni e o seu povo, que Nicolas Hulot, ecologista francês, decidiu mudar de rumo: candidatar-se às eleições presidenciais, em 2012. Adivinham-se soluções que não circulam nos programas dos partidos “clássicos”.
Crítico do neoliberalismo e da cultura do excesso, Nicolas Hulot, considerado a segunda personalidade mais admirada pelos franceses, apresentou e realizou programas relacionados com o Planeta na televisão francesa (TF1) durante 23 anos. Publicou 17 livros, criou uma Fundação e correalizou um filme com Jean-Albert Lièvre (Le Syndrôme du Titanic), em 2009. Enquanto colocava, com sucesso, a sustentabilidade na agenda da mídia francesa, convenceu, ainda, os candidatos à presidência francesa (em 2007) a assinar (mas não a comprometer-se com) um Pacto Ecológico.
Hoje confessa-se “ulcerado face ao capitalismo selvagem e à incapacidade dos mercados de fixar limites à predação dos recursos, da especulação, à remuneração dos acionistas, aos lucros, à crise de excesso”. O seu recente balanço ficou claro: nem tudo o que estava ao seu alcance tinha sido feito. No dia 13 de abril abandonou, então, seu programa televisivo Ushuaia, assim como a presidência da Fundação que criou (Nicolas Hulot: pour la Nature et pour L’Homme). Ao tornar-se candidato à presidência francesa (2012), dá o passo que se segue a uma longa cruzada pela mudança de paradigma: procurar um modelo que passe em economia como em ecologia, renovando o sistema econômico internacional como resposta aos desafios sociais, econômicos e ambientais.
Um novo modelo que passe em economia como em ecologia?
Percorreu o mundo e assistiu à sua mudança, chegando à conclusão, como refere na sua página oficial, de que “a humanidade tornou-se a presa de uma epidemia de crises que visa a inúmeras pessoas. As desigualdades aprofundam-se e adiciona-se a humilhação. O que não é desculpável num mundo conectado.”
Em entrevista à rádio France Inter, na manhã de 14 de abril, o ecologista defendeu que, “apesar da escassez ser a norma, até agora as pessoas iludiram-se com a abundância, promovendo um crescimento ilimitado num mundo limitado”. Uma equação que nos colocou face a um dilema. “Para um economista, travar o crescimento é uma heresia. Para um ecologista, encorajar o crescimento é uma heresia. Vamos ter de encontrar uma solução nesta sociedade de transição, que exige uma mudança radical, ainda que num determinado período temporal.”
Esta receptividade, que o mesmo considera uma “necessidade”, a sua convergência evolutiva e cultura política são as características que o candidato, hostil aos confrontos, reconhece como integrando o seu diferencial.
Ciente de que uma mudança não se realiza a uma voz, sublinha a importância de trabalhar em conjunto (independentemente das cores partidárias), com a meta comum da transição para a ecologia. “Se não fecharmos esta porta, corremos o risco de não poder abrir outra”, alerta.
A primavera dos ecologistas
“A candidatura de Nicolas Hulot pode ser uma sorte, não para os ecologistas, mas, muito mais importante, para a ecologia”, declara Claude Marie-Vadrot, do jornal Politis. Efetivamente, o elo que o ecologista favorito dos franceses (segundo o jornal Le Monde) estabeleceu entre o social e a ecologia, jogam a seu favor. Como explica o jornalista do Politis, “o ecologista evoluiu e hoje acrescenta análises às contestações que filmou e contou durante décadas.”
Na opinião de Claude Marie-Vadrot, a candidatura de Hulot oferece, pelo menos, duas vantagens: “Primeiro, coloca na linha de frente um homem que não precisa explicar quem é, nem se dar a conhecer (aos franceses), nem convencer que domina perfeitamente os dossiês que vai evocar. Quer se trate da perda da biodiversidade, da necessidade de um outro crescimento, do esgotamento dos recursos, das poluições e das destruições provocadas por uma mundialização selvagem”. E, para ligar estas temáticas às questões sociais, entra um trunfo do candidato: a equipe constituída por especialistas das mais diversas áreas, com a qual trabalha há anos (comitê criado na sua Fundação), apoiam-no e conferem-lhe credibilidade, mais do que suficiente aos olhos do vasto público, no combate que encarna. Guillaume Malaurie, do Nouvel Observateur, meio ao qual o candidato concedeu uma entrevista exclusiva, acredita que será, inclusive, a partir daqui que surgirão pistas e soluções que não se veem circular nos atuais programas dos partidos considerados “clássicos”.
Segundo – ainda na opinião do jornalista –, Nicolas Hulot revela-se um candidato mais forte do que a (outra) opção dos Verdes: Eva Joly, considerada menos crível. Claude Marie-Vadrot conclui: “Não se trata dos ecologistas chegarem à Presidência da República, mas sim de provocar a adesão a um outro desenvolvimento, a um outro mundo (possível), de uma parte mais significativa da população”.
Com Sarkozy, a transição ecológica ficou pelo caminho
Hulot reconhece que, num primeiro compasso, Nicolas Sarkozy (presidente francês) criou um cargo de ministro do Estado de Ambiente dotado de extensas competências, submeteu a votos uma Taxa Carbono – ainda que insuficiente, na opinião do ecologista – e encorajou o Projeto Grenelle de L’Environnement. Todavia, atualmente, o mais recente candidato reconhece, em entrevista ao Nouvel Observateur, que “essa sequência terminou”. De tal forma que declara inviabilizar uma aliança com a atual maioria, por ser “culturalmente” incompatível.
Quando questionado sobre a probabilidade de um acordo no segundo turno com o candidato socialista, sublinha que, se houver uma parceria, a condição é que a mesma assegure a transição ecológica. “Se se tratar de um simples compromisso relativo a cinquenta eólicas a mais, ‘não obrigado’”. Contudo, Nicolas Hulot considera “normal a discussão ser prioritária com os socialistas.”
* Sandrine Lage é pesquisadora e autora do livro “sustentabilidade na mídia: o poder de (in)formar”, Editora Envolverde.