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Nigerianos com futuro incerto na península de Bakassi

A península de Bakassi carece de serviços básicos. Embora a educação primária seja gratuita, a proporção de matrículas nas escolas é inferior a 50%. Foto: Ngala Killian Chimtom/IPS
A península de Bakassi carece de serviços básicos. Embora a educação primária seja gratuita, a proporção de matrículas nas escolas é inferior a 50%. Foto: Ngala Killian Chimtom/IPS

 

Península de Bakassi, Camarões, 10/10/2013 – Thomas Effiom, um pescador de 35 anos da pequena localidade de Jabane, na península de Bakassi, em Camarões, retira a água que inundou o piso lamacento de sua casa, ritual que pratica cada vez que sobem as águas do Oceano Atlântico. “Isto é um problema enorme aqui”, disse à IPS. Muito frequentemente a inundação arrasa as casas, pois suas estruturas estão construídas com varas pouco resistentes às forças da natureza.

Há menos de dois meses que Camarões assumiu a soberania plena sobre essa península, de 665 quilômetros quadrados, integrado por várias ilhas cobertas por mangues. Effiom, como 90% dos 300 mil habitantes da área, é nigeriano e nasceu e se criou em Bakassi, território rico em petróleo localizado no Golfo da Guiné e pelo qual Nigéria e Camarões mantêm uma disputa histórica. Embora não tenha certeza de como o governo camaronense aceitará e manterá os nigerianos que vivem aqui, Effiom resiste a voltar ao seu país, a nação mais povoada da África, com cerca de 168 milhões de habitantes.

O presidente da Associação de Pescadores de Bakassi, James Nnandi, disse à IPS que não tem nenhuma certeza sobre seu futuro na península sob controle de Camarões. Embora lhe encantasse voltar para a Nigéria, tem duas mulheres e sete filhos para alimentar. “Aqui sobrevivemos da pesca. É assim que consigo alimentar minha família, e não estou certo de conseguir outro trabalho na Nigéria”, argumentou Nnandi, de 50 anos.

Em 2002, o Tribunal Internacional de Justiça determinou que a península pertencia a Camarões. Mas foram necessários mais quatro anos para que a Nigéria concordasse em ceder o território à jurisdição do país vizinho. Em 2008, foi aberto o período de transição de cinco anos, que terminou em 14 de agosto deste ano, quando, finalmente, Camarões assumiu a plena soberania sobre a área.

Segundo os termos do Acordo de Greentree, assinado por Camarões e Nigéria em 12 de junho de 2006, com apoio da Organização das Nações Unidas (ONU), os nigerianos podem escolher entre voltar ao seu país ou permanecer em Bakassi. Os que ficarem poderão manter a cidadania nigeriana ou se naturalizar camaronenses. Em qualquer dos dois casos, o acordo exige que Camarões respeite os direitos fundamentais dos nigerianos na península.

Porém, ficar em Bakassi também significa viver sem serviços de saúde, eletricidade e água corrente. E Camarões ainda tem muito a percorrer para melhorar a vida de seus habitantes. Glory Benson, professora nigeriana de 40 anos, disse que o sistema de saúde é precário. “Dar à luz aqui não é fácil para as mulheres. Por isso, queremos que o governo forneça ao hospital uma parteira para nos ajudar”, contou à IPS. A educação primária é igualmente difícil.

Pierre Mufuh Chong, diretor da Escola Primária Governamental de Wabane, assegura que não é nada simples convencer os pais a enviarem seus filhos à escola. Embora o ensino primário seja gratuito, Chong estima que a matrícula escolar não chega a 50%. “Os pais estão mudando o tempo todo. Viajam com seus filhos para vender, principalmente pescado defumado. Às vezes os levam à Nigéria. Quando vemos que a criança falta, meu pessoal e eu vamos de porta em porta fazendo ‘evangelismo educacional’ para incentivar as crianças a estudarem”, contou à IPS.

Para que o controle de Camarões seja efetivo, deve adotar uma política de desenvolvimento mais eficaz para a península de Bakassi, segundo Ntouda Ebude, especialista em geoestratégia e conferencista da Universidade de Yaoundé. Por exemplo, disse à IPS, é improvável que Camarões cumpra os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio na península.

Essas metas, definidas em 2001 pela Assembleia Geral da ONU, incluem reduzir pela metade a proporção de pessoas que sofrem fome e pobreza (em relação aos índices de 1990), garantir educação primária universal, promover a igualdade de gênero, reduzir a mortalidade infantil e materna, combater a aids, a malária e outras doenças, garantir a sustentabilidade ambiental e fomentar uma associação mundial para o desenvolvimento, tudo isto até 2015.

Segundo Ebude, embora seja difícil o acesso a estatísticas oficiais sobre mortalidade materna e infantil, a simples observação indica que muitas mulheres da península morrem ao dar à luz, e que muitas crianças não chegam a um ano de vida. Desde 2010, o governo de Camarões destina US$ 8 milhões a projetos de desenvolvimento na área.

Até o governador da Região Sudeste de Camarões, Bernard Okalia Bilai, admitiu, em agosto, que Bakassi carece dos recursos básicos de eletricidade e água, apesar do investimento do governo. Também disse que os funcionários públicos nem sempre residem na península, e pediu para que o façam. “O governo trabalha para melhorar a vida aqui, mas é preciso que vocês perseverem, porque essa pode ser sua contribuição patriótica ao desenvolvimento da área”, afirmou na oportunidade.

Segundo Bertha Ndoh Bakata, do Comitê Coordenador e de Acompanhamento da Implantação de Projetos Prioritários para Bakassi, o governo construiu escolas, centros de saúde, sedes administrativas e infraestrutura de pesca para a população local. “Foram construídos dois centros de saúde bem equipados, e há uma escola primária em cada uma das quatro subdivisões que formam a área de Bakassi”, informou à IPS por telefone.

Entretanto, há apenas dois médicos para atender as quatro subdivisões. “Tomemos a mortalidade infantil e a saúde materna, por exemplo. É verdade que estão construindo alguns centros de saúde, mas, onde estão os médicos? Onde estão os equipamentos?”, questionou Bakata. Contudo, acrescentou que este ano o Comitê Coordenador e de Acompanhamento começará a construir uma estrada para Bakassi, “o que será um enorme alívio para a população da área”.

Ebude acrescentou que “há a malária, que é tão generalizada aqui, porque as pessoas vivem em casas malfeitas, construídas com varas, e, portanto, nem mesmo podem se proteger dos mosquitos. Por issom é muito improvável que Bakassi possa cumprir os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio em matéria de saúde até 2015”. Envolverde/IPS