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No Sri Lanka não matam os caricaturistas, eles desaparecem

 

Prageeth Eknaligoda, colunista e desenhista do Sri Lanka, está desaparecido há quase cinco anos. Foto: Vikalpa/Groundviews/CPA/CC-BY-2.0
Prageeth Eknaligoda, colunista e desenhista do Sri Lanka, está desaparecido há quase cinco anos. Foto: Vikalpa/Groundviews/CPA/CC-BY-2.0

 

Colombo, Sri Lanka, 15/1/2015 – O massacre de dez jornalistas e dois policiais no atentado contra o semanário satírico francês Charlie Hebdo ocupou as manchetes de todo o mundo desde que dois homens abriram fogo no escritório da revista em Paris, no dia 7. Milhões de pessoas marcharam pelas ruas contra o que se considera um ataque à liberdade de expressão, e a obra dos desenhistas do semanário ganhou uma popularidade viral nas redes sociais.

Mas vários milhares de quilômetros a leste da capital da França, no Sri Lanka, um tipo diferente de ataque à liberdade de expressão não recebeu nem mesmo um piscar da atenção dada ao ocorrido na Charlie Hebdo. Talvez porque, nesta tragédia específica, o protagonista não foi assassinado, mas desapareceu sem deixar rastro.

A última vez que se soube de Prageeth Eknaligoda foi em 24 de janeiro de 2010. Pouco depois das dez da noite, ele telefonou para avisar sua mulher, Sandhya, que saía do trabalho em direção à sua casa. Mas nunca chegou. Sandhya buscou respostas sobre seu paradeiro por todos os lados, desde as delegacias locais até o escritório da Organização das Nações Unidas (ONU) em Genebra, mas não encontrou nenhuma.

Grupos de direitos humanos, como a Anistia Internacional, acreditam que as autoridades têm a ver com seu desaparecimento. Seus vizinhos informaram ter visto uma caminhonete branca sem identificação estacionada diante de sua casa naquele dia, um veículo que habitualmente é vinculado aos desaparecimentos forçados no Sri Lanka.

Caricaturista e colunista no Lanka eNews, Eknaligoda costumava utilizar sua pena para chamar a atenção sobre a corrupção, as violações dos direitos humanos e a deterioração da democracia neste país de 20 milhões de habitantes do sul da Ásia.

Em um de seus desenhos mais compartilhados se vê uma mulher seminua diante de um grupo de homens rindo. Na parede atrás dela está escrito “a preferência da maioria é a democracia”, que alguns comentaristas interpretaram como uma referência à falta de poder das minorias neste país de maioria cingalesa-budista.

Ekinaligoda também aplicou seu talento inquisitivo na educação, revelando o impacto que um sistema escolar débil tem na juventude. Um de seus desenhos representa o trágico suicídio de uma aluna em uma destacada escola para meninas em Colombo.

O Sri Lanka ocupa o quarto lugar, atrás de Iraque, Somália e Filipinas, no Índice de Impunidade elaborado pela organização independente Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).

Como não há provas demonstrando que Eknaligoda sofreu o mesmo destino dos 19 jornalistas assassinados desde 1992 neste país, o caricaturista não está incluído nas estatísticas dos que pagaram com suas vidas por seu trabalho jornalístico. De fato, o outrora promotor-geral Mohan Peiris assegurou ao Comitê das Nações Unidas Contra a Tortura, em 2011, que Eknaligoda estava vivo em um país estrangeiro. Uma declaração da qual se retratou.

Para os familiares, o desaparecimento é um destino pior do que a morte. “Não saber onde está um ente querido é uma tortura mental. E é pior do que a tortura física, já que ao menos o mundo pode ver as marcas de seu sofrimento”, disse Sandhya, em uma entrevista à IPS em 2012.

No dia 7, quando os mandatários do mundo inteiro viram as notícias sobre o massacre na Charlie Hebdo, o então presidente do Sri Lanka, Mahinda Rajapaksa, imediatamente apresentou suas condolências às famílias das vítimas. Os que acompanham de perto o caso de Eknaligoda consideraram hipócrita esse gesto, devido à suposta indiferença do governo com a liberdade de imprensa no Sri Lanka.

Assim, quando Rajapaksa perdeu as eleições presidenciais do dia 8 deste mês e um dia depois o governo foi assumido por Maithripala Sirisena, ex-ministro e ex-secretário do até agora partido governante, especialistas e ativistas começaram, timidamente, a abrigar uma esperança de justiça. “A assombrosa vitoria de Sirisena é uma oportunidade para que o Sri Lanka melhore o clima da liberdade de imprensa”, disse Sumit Galhotra, pesquisador do CPJ.

“Como se comprometeu a erradicar a corrupção e garantir maior transparência, vigiaremos atentamente para ver se acompanha essas promessas com ações concretas”, afirmou Galhotra à IPS. “Uma forma segura de reverter a perigosa trajetória que o Sri Lanka tomou na última década é atender seriamente às súplicas daqueles como Sandhya Eknaligoda, e iniciar a luta contra a cultura de impunidade que floresceu no país quando se trata da violência contra a imprensa”, acrescentou.

Na longa lista de atrocidades sofridas pela comunidade jornalística do Sri Lanka, se destaca o assassinato de Lasantha Wickrematunge, em plena luz do dia, em 8 de janeiro de 2009. Fundador e redator do importante semanário em inglês Sunday Leader, o jornalista denunciava abertamente todo tipo de abuso de poder e violação dos direitos humanos.

Perante cerca de 50 pessoas reunidas em seu túmulo na manhã das eleições presidenciais do dia 8, exatamente seis anos depois da morte de Lasantha, seu irmão, Lal Wickrematunge, chamou a atenção para a falta de avanço nos “numerosos esquadrões destinados a lidar com as investigações do assassinato”.

A justiça receberá um novo impulso agora que Sirisena assumiu o poder, afirmam alguns ativistas. Embora ainda seja cedo, já foram dados alguns passos positivos. “Algumas das páginas na internet que estavam bloqueadas, como o TamilNet e o Lanka eNews, agora estão acessíveis, e esses são bons sinais”, afirmou Ruki Fernando, destacado ativista.

“Mas há vários casos, como o de Prageeth, Lasantha e muitos, muitos mais, incluídos numerosos casos contra o Uthayan”, um jornal em língua tâmil com sede na cidade de Jaffna, “que devem ser acelerados”, destacou Fernando. “Isso não significa que Lal ou Sandhya estejam pedindo favores políticos. Só querem que a justiça siga seu curso normal, que estava obstruído até o momento, para proceder de uma maneira independente e sem interferências políticas”, pontuou.

“Essas são as coisas que esperamos do novo regime em seus primeiros cem dias. Até que sejam implantadas, não tenho muita confiança. Apenas esperança”, enfatizou Fernando. Envolverde/IPS