É quase inacreditável, mas, infelizmente, verdadeiro: o Senado só tem até o próximo dia 6 para decidir se confirma ou não a deliberação do plenário da Câmara dos Deputados que prorrogou por mais quatro anos o prazo para que 2.810 municípios do total de 5.570 eliminem 2.906 lixões. Pela lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos esses municípios só tinham até agosto último para tomar essa providência, sob pena de perderem acesso a recursos federais e estaduais, mas não o fizeram; agora, podem ganhar mais quatro anos – e depois de o Congresso Nacional levar 20 anos para aprovar a lei da política nacional.
Congressistas não querem desagradar a prefeitos e outros “donos” de votos; prefeitos não querem desagradar a cidadãos votantes que não admitem pagar pela coleta e destinação do lixo que geram – entendem, erroneamente, que já o fazem pagando outros impostos. E assim vamos, sem solução para esse grave problema, que nem de longe mereceu, na campanha eleitoral que se encerrou, a prioridade a que faz jus. E ainda que em muitas capitais – como Teresina e Porto Velho, entre outras – já se vivam situações conflituosas, com a Justiça embargando contratos milionários, sem licitação, de prefeituras com empresas de coleta e destinação de resíduos.
E que vamos fazer com o lixo, com as 270 mil toneladas diárias geradas só por residências e escritórios (mais de um quilo diário por pessoa), fora entulhos da construção, que são uma quantidade ainda maior? O que São Paulo vai fazer com suas mais de 12 mil toneladas diárias? Que vai fazer o resto do País, se as usinas públicas de reciclagem só operam com menos de 2% do lixo total? Que caminhos vamos tomar, se a chamada logística reversa – o retorno, também obrigatório por lei, dos resíduos para seus fabricantes ou vendedores – mal dá os primeiros passos na tentativa de criar as regras indispensáveis? Como proceder se tudo continua acontecendo em meio a polêmicas imensas, como a que cerca a recente proibição pela Justiça de fornecimento de sacos plásticos pelos supermercados paulistanos?
Tudo é polêmico, inclusive na área dos resíduos eletroeletrônicos, que podem conter muitos elementos altamente tóxicos e perigosos para seres humanos, como já foi comentado neste espaço. Que acontecerá, então, com a área das lâmpadas e embalagens, que está em consulta pública, também em meio a controvérsia? Que faremos com os milhões de televisores, refrigeradores, telefones celulares descartados a cada ano? Como já se escreveu aqui (26/9), são descartadas anualmente no País 97 mil toneladas de computadores, 115 mil toneladas de refrigeradores domésticos, 140 mil toneladas de telefones – fora o que é guardado em casa. Em um semestre de 2013 foram vendidos 10,4 milhões de computadores desktop, notebooks e tablets.
São poucas as áreas que avançaram com alguma logística reversa – principalmente a de embalagens para agrotóxicos e a de pneus velhos, ambas diante de fortes pressões sociais. Também há algum progresso nas áreas de baterias e pilhas, embalagens de óleo e lubrificantes.
Quando se vai para a área de resíduos tóxicos, verifica-se que só o Estado de São Paulo tem 60 mil áreas contaminadas (Estado, 1.º/9/2013) por resíduos dessa natureza. E esses problemas podem chegar até a câmpus universitários, como sucedeu há pouco na Universidade de São Paulo (USP) Leste, com o solo contaminado por um antigo aterro sanitário (sobre o qual se construíram edificações) e pelo despejo de drenagens do Rio Tietê. Na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), pesquisa recente do químico José Augusto da Col, com produtos fabricados aqui e em outros países, indicou a presença, em mais de 60% das amostras compradas no comércio, de níquel, chumbo e outros elementos perigosos contidos em joias, bijuterias, piercings, etc.
Outro ângulo: o Estado de São Paulo deu, por lei, prazo de dois anos para substituir todos os equipamentos de uso médico e outros – termômetros, medidores de pressão, etc. – que contenham mercúrio, atendendo a recomendação da Organização Mundial da Saúde, que quer substituí-los no todo até 2020. Conseguirá?
Em outra área, a mesma Unicamp (8/4/2013) concluiu que permanecem muito tempo na atmosfera partículas de mercúrio liberadas quando da queimada de florestas amazônicas – e que eram retidas pelas folhas e pela copa. Seriam pelo menos 12 toneladas por ano de resíduos problemáticos.
Chega-se, então, ao complicadíssimo lixo nuclear. Área em que a Justiça e o Ministério Público exigem dos dirigentes do setor estudos sobre o que fazer com o lixo nuclear hoje depositado em piscinas já próximas do esgotamento no interior de Angra 1 e 2, assim como de Angra 3, em construção.
Até aqui nenhum país no mundo conseguiu solução para esses resíduos radiativos. Os Estados Unidos, que têm mais de 400 usinas nucleares, desistiram do projeto de um depósito definitivo na Yucca Mountain, em Nevada, depois de gastarem US$ 12 bilhões e cientistas demonstrarem que era e é muito alto, nesse local, o risco de abalos sismológicos, contaminação de recursos hídricos e outros problemas. Mas por aqui seguimos indômitos nessa trilha, até pensando em mais quatro usinas nucleares no Nordeste.
Também nesse setor de resíduos nossos comportamentos são muito problemáticos – tal como na área do saneamento, em que nos permitimos chegar a situações no abastecimento público de água que começam a ser apontadas por autoridades como “pré-tragédia” (21/10). Não será por aí que encontraremos boas rotas. Nas direções aconselháveis haverá custos, certamente. Trata-se de dividi-los equitativamente entre produtores, distribuidores, vendedores, consumidores – e não de fugir deles sistematicamente, sem considerar o que encontraremos mais à frente. Não se trata de postergar, como está fazendo o Congresso Nacional.
* Washington Novaes é jornalista.
** Publicado originalmente no site O Estado de S. Paulo.