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Nos Estados Unidos se sugere ampliar relação militar com o Paquistão

General Ashfaq Parvez, chefe das Forças Armadas do Paquistão, e o general Stanley A. McChrystal, ex-comandante chefe da Força Internacional de Assistência para a Segurança e do contingente dos Estados Unidos no Afeganistão. Foto: Exército dos Estados Unidos

 

Washington, Estados Unidos, 16/5/2013 – Analistas dos Estados Unidos entendem que este país deve redefinir sua relação de longa data com as Forças Armadas do Paquistão, após as eleições do dia 11, que registraram uma histórica grande participação. Os especialistas em política externa coincidem em afirmar que o resultado da votação representa uma importante consolidação da democracia no Paquistão, pois foi a primeira vez na história desse país que um governo civil passará o poder a outro.

“Os Estados Unidos estão ao lado de todos os paquistaneses que dão as boas-vindas a essa passagem histórica, transparente e em paz do poder civil, um importante êxito no processo democrático do Paquistão”, afirmou no dia 12 o presidente Barack Obama. “Ao realizarem campanhas competitivas, exercerem livremente seu direito democrático e perseverarem apesar da intimidação de extremistas violentos, reafirmam seu compromisso com um governo democrático, fundamental para obter a paz e a prosperidade para todos os paquistaneses nos próximos anos”, acrescentou Obama.

Na verdade, o já duas vezes primeiro-ministro, Nawaz Sharif (1990-1993/1997-1999), da Liga Muçulmana do Paquistão-N, conseguiu a maioria dos votos e poderá formar um novo governo. Este registrou uma vitória esmagadora que surpreendeu experientes observadores desse país. Contudo, talvez o mais surpreendente tenha sido a participação eleitoral, quase 60% dos eleitores aptos a votar, a maior proporção registrada nas últimas quatro décadas.

Washington “deve estar contente por uma eleição, em que a insurgência paquistanesa exortou a população a não votar e fez duras ameaças contra quem votasse, que conseguiu a maior participação neste país desde 1970”, disse em entrevista à IPS Andrew Wilder, diretor do programa Paquistão do Instituto de Paz dos Estados Unidos, um grupo de estudo semigovernamental.

Segundo Wilder, “representa um forte apoio o fato de a maioria dos paquistaneses ter rechaçado a convocação do Talibã, e é outro passo importante para a consolidação da democracia. Os militares ainda são uma força importante na política nacional, mas é um pouco menos poderoso hoje do que há uma semana”.

Wilder prevê uma relativa continuidade nas relações dos Estados Unidos com o Paquistão. Os últimos dois anos foram especialmente escabrosos, com momentos de máxima tensão, mas as relações se mantiveram fortes por necessidade, em especial devido ao papel que esse país tem para Washington em seu esforço para estabilizar o Afeganistão, com vistas à retirada de suas forças no próximo ano.

Um governo democrático que entrega o poder a outro governo democrático “marca uma nova fase na luta democrática do Paquistão e demonstra a necessidade de os Estados Unidos avaliarem sua política em relação a esse país”, afirmou Ishrat Salim, pesquisador do Centro de Estudos do Paquistão, do Instituto do Oriente Médio, com sede nessa cidade. “Washington soube encontrar um sócio disposto no quartel-general das Forças Armadas do Paquistão, que ajudou a perseguir seus objetivos estratégicos e táticos na região”, ressaltou.

Desde o nascimento do Paquistão, em 1974, suas Forças Armadas detiveram por várias vezes o governo. Inclusive, o próprio Sharif sofreu um golpe de Estado em 1999. Na verdade, os militares sempre mantiveram um enorme poder nos bastidores, o que lhes permitiu funcionar como uma ligação central com os Estados Unidos.

Washington é o maior apoio financeiro do Paquistão, enquanto este país é o segundo beneficiário da ajuda estrangeiro norte-americana, que na década passada chegou a US$ 20 bilhões. Em 2009, os Estados Unidos aprovaram US$ 7,5 bilhões em assistência com fins civis para um período de cinco anos, embora o apoio ao setor militar continuasse sendo muito significativo.

No orçamento de ajuda ao Paquistão solicitado por Obama para o presente ano fiscal, cerca de 58% estão dirigidos à “assistência à segurança”, segundo um informe do Serviço de Investigação do Congresso, de outubro de 2012. As eleições paquistanesas sugerem que é preciso voltar a pensar nessa proporção.

“Há muito tempo os Estados Unidos dependem de uma relação unidimensional com os militares paquistaneses. Agora precisamos nos concentrar em uma ampliação de nosso vínculo com os dirigentes políticos e o povo”, disse à IPS o pesquisador Dan Twining, do centro de estudo e fundação German Marshall Fund of the United States, com sede em Washington. “Os Estados Unidos querem fortalecer o governo civil, e a principal tarefa de Sharif é o desenvolvimento econômico, além de atender os problemas de governança que assolaram o governo anterior”, afirmou.

Twining reconheceu que a questão militar continuará ocupando um lugar central na política relacionada ao Paquistão, e que, ainda que esse país continue sofrendo o fortalecimento da insurgência, a raiz do problema não necessariamente tem a ver com a segurança. “Não são problemas militares, mas relacionados com energia, infraestrutura ou fornecimento de água”, pontuou.

“Mesmo se aceitarmos que os militares manterão o controle da política externa, uma análise de longo prazo sugere que os problemas mais importantes do Paquistão estão no âmbito civil”, argumentou Twining. As dificuldades “exigem boa governança para manter a economia em funcionamento e gerar emprego, questões que as Forças Armadas não atenderão e, simplesmente, não podem fazê-lo”, ressaltou.

Naturalmente, o Paquistão continua com problemas importantes em matéria de segurança, já que os dias anteriores às eleições foram muito sangrentos. O próprio Sharif reconheceu que não basta uma estratégia militar para conseguir a paz. Uma semana antes da votação, vários grupos islâmicos anunciaram que poriam fim aos ataques contra o partido de Sharif, que se mostrou aberto a iniciar negociações com o ramo paquistanês do Talibã.

“É interessante notar que, enquanto Sharif se mostrava aberto ao diálogo, o chefe do exército do Paquistão, general Ashfaq Parvez Kayani, dizia que a luta contra os extremistas não era por causa dos Estados Unidos, mas porque aqueles queriam derrubar o governo”, destacou Twining. “Esse é um problema central no Paquistão e terão que lidar com isso”, acrescentou. Envolverde/IPS